Durante as décadas de 1970 e 80 travaram-se as chamadas guerras
da pornografia nos EUA. Ao contrário do que mentes mais fantasiosas
poderão pensar, não se trataram de batalhas em que as partes belicosas utilizaram
dildos ou implantes de silicone como armas de arremesso, nem de conflitos em que o sexo foi a
táctica privilegiada para esgotar o inimigo.
Na verdade essas guerras surgiram na sequência da criação da
Commission on
Obscenity and Pornography que, em 1970, publicou um relatório
que determinou não existir evidência científica em como a exposição a materiais
sexuais explícitos poderia causar delinquência. Até então, acreditava-se que a
reacção de qualquer homem que visse um filme pornográfico seria, naturalmente, a de violar e esquadrinhar a primeira
beldade indefesa que lhe aparecesse pela frente. Depois do dito relatório, os norte-americanos
adultos passaram a poder visionar toda a pornografia que quisessem no aconchego
do seu lar sem incorrer em pena de prisão.
Tal libertação libertina provocou várias reacções, na sua
maioria adversas. Dois grupos em particular tornaram-se ferozes no
combate à indústria do sexo: cristãos e feministas. Do lado da religião,
criticou-se a imagem descomplexada, pois claro, que a pornografia transmite do
sexo. A tal que vai contra o famoso ideal cristão que dita: não fornicarás desenfreadamente com o primeiro canalizador que te bater
à porta.
As feministas, por sua vez, eram contra a transformação da mulher em
objecto sexual, típica de tais filmes de profunda complexidade intelectual. A improvável
convergência desses dois grupos fez com que por vezes tenham unido forças para
combater o mafarrico da pornografia.
Outro exemplo de uniões forjadas no quinto dos infernos ou
no sétimo dos céus, dependendo da perspectiva, é retratada no documentário City
of Borders (de Yun Suh, 2009). Em
2006, organizações de defesa dos direitos de minorias sexuais Israelitas
decidiram organizar a marcha World Pride em Jerusalém. Uma das diversas consequências
dessa iniciativa foi a de unir Judeus Ortodoxos e Árabes contra a
realização do evento.
Partindo destes dois exemplos, é impossível não pensar quão tolerante é a intolerância.
Pessoas que noutras circunstâncias nunca se sentariam à mesma mesa para tentar
ultrapassar as suas divergências, são capazes de se unir no ódio contra o que
ambas consideram contrário aos seus ideais. E em ambos estes casos, é
da negação de diferentes aspectos da sexualidade que surgem tais uniões imprevistas.
O sexo é sem dúvida um estranho catalizador (e, por vezes, canalizador) com a capacidade de juntar na mesma
cama os mais improváveis parceiros.
Publicado na revista Pública em Outubro de 2009