domingo, 27 de dezembro de 2009

Os missionários e os bons selvagens

Existe o mito, tão antigo quanto falso, de que foram os missionários cristãos que inventaram a posição sexual conhecida pelo seu nome. Aquela em que a mulher se encontra, passiva que nem uma donzela, deitada de barriga para cima, enquanto que o homem lá vai fazendo o seu trabalho vigorosamente entretido sobre ela.


Como diversos etnógrafos e historiadores tiveram a possibilidade de documentar, tal posição é mais antiga que a cristandade e encontra-se em várias culturas independentemente da influência dos missionários. Foram encontrados vasos datados de três mil anos a.C. decorados com imagens de homens “missionando” as suas parceiras.


Entre os antigos Gregos, Romanos, Peruanos e Japoneses, essa era a posição preferida por dessa forma se reforçar a superioridade moral dos homens sobre as mulheres. Os Chineses, apesar de criativos nas artes do sexo, apreciavam essa posição por acreditarem que os homens nasciam de cara virada para baixo e as mulheres de cara virada para cima. Por seu lado, algumas tribos em Kerala, na Índia, ainda hoje acreditam que apenas nessa posição pode ser concebido um guerreiro.


Porém, verdade é também que os primeiros missionários, ao depararem-se com a diversidade copulatória de povos de África e do Pacífico, decidiram por ordem no paraíso, usando uma boa dose de criatividade e inspiração divina. Afinal, se Adão veio ao mundo antes de Eva, nunca deveria a mulher estar numa posição superior ao homem como acontecia em terras de bons selvagens.


Apesar de popular durante séculos sem fim, a posição barriga sobre barriga caiu em desgraça em tempos modernos. Vivemos numa era em que o sexo foi kamasutrizado. O contorcionismo sexual é publicitado tanto em revistas femininas como em masculinas e espera-se que a vida íntima do comum dos mortais seja tão variada como o enredo de um filme pornográfico. A posição missionária foi acusada de opressiva do prazer feminino e passou a demissionária.


Mas será assim tão má a pobre coitada? Apesar da publicidade negativa, a posição do missionário não deixa de ter as suas vantagens. É útil, por exemplo, em dias de preguiça, em particular da mulher, quando se pretende o máximo resultado com o mínimo esforço. Em casais apaixonados, permite contacto olho no olho até à exaustão. E supostamente, mas muito supostamente, é uma boa posição para se conseguir engravidar.


Limitar o sexo a apenas uma posição pode transformar a vida sexual de um casal numa obrigação enfadonha. Ser um bom selvagem na cama, mais do que um direito, deverá ser um dever. Assim, a posição do missionário nada tem de mal, desde que utilizada com conta, peso e medida. E como alguém disse, ela é um pouco como o tofu. Precisa que se lhe adicionem condimentos para ganhar sabor. Já descobriu o seu?


Publicado na Pública de 3 de Maio de 2009

No início era o sexo


1. Com sexo se iniciaram muitas bonitas histórias de amor. Ou simplesmente de depravação pura. Em qualquer dos casos, o sexo, esse bicho estranho e selvagem, é muitas vezes o motor de coisas boas e pecaminosas. Assim espero também que seja este meu novo e primeirissimo blog.

2. Várias vezes ponderado, nunca até agora tinha cedido à tentação bloguista. E o principal motivo, confesso, é o de outro pecado capital, o da preguiça. Escrever um blog sempre me pareceu algo com o peso de um casamento. Um compromisso que, uma vez iniciado, teria que levar até ao final. Um caminho que, uma vez escolhido, não haveria volta a dar-lhe. Assim como as resoluções de Ano Novo.

Apesar desta ser uma espécie de decisão de Ano Novo adiantada, espero que não siga o caminho dessas outras e mais ou menos amaldiçoadas vontades.

3. A decisão de agora iniciar este blog surge na sequência do final de uma colaboração de três anos com a revista Pública. Inicialmente enquanto espaço de resposta às questões dos leitores, acabou por transformar-se numa colaboração em formato de crónica quinzenal, desde Maio de 2008. Lá fui pensando e escrevendo sobre algumas das questões mais e menos relevantes do sexo.

Essa foi uma colaboração que muito prazer me deu e com a qual muito aprendi. Porém, uma alteração no formato editorial da revista, a estrear em Janeiro de 2010, ditou o término das suas crónicas e assim também da minha. Apesar de ficar triste com essa realidade, pensei que nada melhor do que transformar um infortúnio numa oportunidade de me estrear no mundo digital.

4. Dado o contexto da sua vinda ao mundo, e apesar do suporte diferente do da imprensa tradicional, este blog terá, à partida, um formato um tanto convencional. Significa isso que irei aqui manter, tanto quanto possível, o estilo "crónica" da minha colaboração na Pública. Não será essa uma regra rígida e é possível que, de quando em vez, o blog assuma um carácter de desabafo ou de comentário social. Mas sempre sobre coisas boas e pecaminosas. Ou às vezes também más e pouco recomendáveis.

Manterei a frequência quinzenal para os novos textos, mas nas semanas "não" publicarei aqui crónicas passadas, as da Pública e não só, com as devidas referências à sua origem. Assim, e tanto quanto possível, haverá uma nova entrada no blog pelo menos uma vez por semana durante uns tempos.

5. Mas basta de conversa. Já serve esta abertura oficiosa do meu blog como uma espécie de editorial do que por ai virá. E aproveito para incluir já de seguida um dos meus textos preferidos. A primeira entrada de blog original surgirá no próximo fim de semana, com o princípio do ano.

Todos os comentários e sugestões, críticas boas ou más, desde que construtivas, serão muito bem-vindas.

Até já então!