Alguma vez suspeitou
que o Noddy e o Orelhas eram mais do que apenas “bons amigos”? Que o
homoerotismo descarado do filme “Batman e Robin” (1997) não deixava de ter um
quê de verdade? Ou que a amizade entre Asterix e Obelix era um pouco suspeita?
Pois bem, a mais recente personagem de banda desenhada a ser arrancada do
armário poderá deixar alguns de boca aberta, mas francamente, apenas os mais
distraídos.
Matthew Parris,
jornalista britânico, juntou dois e dois e afirmou que, sim senhor, Tintin era
gay. Num artigo
publicado no The Times no início de 2009 ("Of course Tintin is Gay. Ask Snowy", 7/01/2009), ainda antes do boom de popularidade proporcionado pelo filme de Spielberg e Jackson, Parris faz uma lista
exaustiva dos sinais que apontam nesse sentido, por exemplo, o estilo impecável
de Tintin; a sua androginia; e um Fox Terrier chamado Milou.
Mas para lá de
estereótipos, Parris refere ainda que apenas 2% das personagens que se cruzam
com o repórter ao longo das suas aventuras são mulheres, com completa ausência
de moçoilas atraentes que pudessem ser bons partidos para o rapaz. Pelo
contrário, Tintin desenvolve uma suspeita amizade com Chang, um rapaz chinês
pelo qual chora num dos raros momentos em que o personagem deixa cair lágrimas
por alguém.
Mesmo fugindo a outros clichés, como o fato de a sua única amiga ser Castafiore, uma diva de ópera (!), a
prova gritante para tal argumento surgirá n’O Caranguejo das Tenazes de Ouro
(1941). Nessa história, Tintin muda-se de armas, bagagens e Milou para a mansão
do capitão Haddock que, por essas alturas é um desequilibrado alcoólico inveterado.
Porém, ao longo do tempo e após tal convívio salutar com o rapaz, alguns anos mais novo, Haddock vai acalmando.
Decerto haverá quem discorde
veementemente de tal tese. Apesar do autor de Tintin, Hergé, ser Belga, foi em
França que surgiu uma tempestade de contestações à teoria de Parris. A reacção
gaulesa é tanto mais inesperada quanto os Franceses são, regra geral, bastante
liberais. Porém, a homofobia espreita por todos os cantos e, como este episódio
demonstra, continua bem viva. Afinal, porque deverá ser problemática a
sexualidade do rapaz? Ou de qualquer outro rapaz ou rapariga? Pois.
Infelizmente, actos
homossexuais continuam a levar homens e mulheres a ser condenados
à morte ou à prisão em muitos países. Indivíduos gays são vítimas de discriminação
e violência todos os dias e continuamos a ouvir altas e baixas individualidades
da Igreja dizer que a homossexualidade não é normal.
Nesse cenário, é de
louvar J. K. Rowling, que voluntariamente revelou que Dumbledore, personagem de Harry Potter, é gay. Evitou assim que outros tivessem que interpretar uma
evidência não óbvia, mas nem por isso menos verdadeira, à semelhança da sexualidade
de Tintin.
E, entretanto, entre todas estas discussões, ninguém ainda fez a pergunta que parece ser a essencial: Mas afinal Tintin era louro ou ruivo?
Versão editada e atualizada da versão originalmente publicada na revista Pública a 08/03/2009