quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Tintin fora do armário



Alguma vez suspeitou que o Noddy e o Orelhas eram mais do que apenas “bons amigos”? Que o homoerotismo descarado do filme “Batman e Robin” (1997) não deixava de ter um quê de verdade? Ou que a amizade entre Asterix e Obelix era um pouco suspeita? Pois bem, a mais recente personagem de banda desenhada a ser arrancada do armário poderá deixar alguns de boca aberta, mas francamente, apenas os mais distraídos.

Matthew Parris, jornalista britânico, juntou dois e dois e afirmou que, sim senhor, Tintin era gay. Num artigo publicado no The Times no início de 2009 ("Of course Tintin is Gay. Ask Snowy", 7/01/2009), ainda antes do boom de popularidade proporcionado pelo filme de Spielberg e Jackson, Parris faz uma lista exaustiva dos sinais que apontam nesse sentido, por exemplo, o estilo impecável de Tintin; a sua androginia; e um Fox Terrier chamado Milou.

Mas para lá de estereótipos, Parris refere ainda que apenas 2% das personagens que se cruzam com o repórter ao longo das suas aventuras são mulheres, com completa ausência de moçoilas atraentes que pudessem ser bons partidos para o rapaz. Pelo contrário, Tintin desenvolve uma suspeita amizade com Chang, um rapaz chinês pelo qual chora num dos raros momentos em que o personagem deixa cair lágrimas por alguém.

Mesmo fugindo a outros clichés, como o fato de a sua única amiga ser Castafiore, uma diva de ópera (!), a prova gritante para tal argumento surgirá n’O Caranguejo das Tenazes de Ouro (1941). Nessa história, Tintin muda-se de armas, bagagens e Milou para a mansão do capitão Haddock que, por essas alturas é um desequilibrado alcoólico inveterado. Porém, ao longo do tempo e após tal convívio salutar com o rapaz, alguns anos mais novo, Haddock vai acalmando.

Decerto haverá quem discorde veementemente de tal tese. Apesar do autor de Tintin, Hergé, ser Belga, foi em França que surgiu uma tempestade de contestações à teoria de Parris. A reacção gaulesa é tanto mais inesperada quanto os Franceses são, regra geral, bastante liberais. Porém, a homofobia espreita por todos os cantos e, como este episódio demonstra, continua bem viva. Afinal, porque deverá ser problemática a sexualidade do rapaz? Ou de qualquer outro rapaz ou rapariga? Pois.

Infelizmente, actos homossexuais continuam a levar homens e mulheres a ser condenados à morte ou à prisão em muitos países. Indivíduos gays são vítimas de discriminação e violência todos os dias e continuamos a ouvir altas e baixas individualidades da Igreja dizer que a homossexualidade não é normal.

Nesse cenário, é de louvar J. K. Rowling, que voluntariamente revelou que Dumbledore, personagem de Harry Potter, é gay. Evitou assim que outros tivessem que interpretar uma evidência não óbvia, mas nem por isso menos verdadeira, à semelhança da sexualidade de Tintin.

E, entretanto, entre todas estas discussões, ninguém ainda fez a pergunta que parece ser a essencial: Mas afinal Tintin era louro ou ruivo?

Versão editada e atualizada da versão originalmente publicada na revista Pública a 08/03/2009