Não muita gente ouviu falar de Nzinga Mbande. Porém, no seu
tempo, muitas dores de cabeça esta rainha Angolana causou neste reino à beira
mar plantado. Nzinga reinou na região de Ndongo no século XVII, numa época em
que os Portugueses se entretinham com as lides pouco louváveis da escravatura, assim
criando um dos primeiros mercados globais da história da humanidade.
Nzinga sucedeu ao irmão, morto em circunstâncias incertas, e durante os seus cerca de 40 anos de reinado, revelou-se uma soberba
negociadora e governante, aliando-se a Portugueses, Holandeses e reinos
vizinhos em função dos seus interesses e dos do seu povo. Conseguiu
considerável controlo territorial enquanto reinou, controlo esse rapidamente perdido após a sua
morte. Mulher inteligente, converteu-se ao catolicismo como forma de fortalecer
um tratado de termos iguais estabelecido com Portugal. Foi então baptizada de
Dona Ana de Sousa.
Apresentamos aqui Nzinga, primeiro porque nunca é demais valorizar
figuras femininas poderosas da nossa História, que infelizmente não abundam. Depois
porque, de acordo com algumas más-línguas, Nzinga terá levado uma vida de
devassidão sexual sem paralelo.
Senão vejamos, Dona Ana alegadamente teria um vastíssimo harém
constituído por homens que ela com regularidade mandava lutar até à morte. O prémio
do vencedor seria passar uma noite com sua majestade, mas não por favoritismo,
porque muitas vezes o pobre coitado era morto logo pela manhã. Quem
sabe por a sua prestação não ter sido satisfatória. Além disso, como que para
manter contagem de quantos já lá iam, guardava os genitais dos amantes, tendo assim
constituído uma colecção sem par. Diz-se ainda que mandava vestir os seus
criados homens com roupas de mulher e que, uma vez, ao ir para uma batalha,
instruiu os seus guerreiros para que a chamassem de “meu rei”.
Com tais referências, não é de estranhar que Nzinga tenha sido
mencionada pelo Marquês de Sade na sua obra “A Filosofia da Alcova”. Resta
saber até que ponto essas alegações são verídicas. É que era rotineiro na época
exagerar aquilo que à luz dos costumes Europeus era considerado bárbaro no
comportamento de povos escravizados. Era uma forma de desumanizá-los e assim
justificar a sua utilização como mercadoria, prática contra a qual Nzinga lutou
ferozmente. Assim, era fácil para as mentalidades delicadas do burgo
horrorizar-se com a vida íntima dos africanos, esquecendo-se que outras
práticas não menos selvagens ocorriam por sua iniciativa, como é bom exemplo a própria da
escravatura.
Independentemente do que Nzinga faria na intimidade do seu
harém, o que ninguém lhe pode tirar é a coragem que teve em impor-se num mundo
masculino e de lutar pelos seus súbditos. E é acima de tudo por isso que é
importante recordá-la.
Publicado na revista Pública a 15/11/09