sexta-feira, 18 de março de 2011

A casa de banho da discórdia




Há uns anos atrás decorreu uma acaloradas discussão na Universidade de Nova Iorque (NYU) entre alunos, professores e administração. O motivo: as casas de banho da universidade. Tudo começou quando um grupo de alunos fez a proposta de alterar a tradicional separação das instalações sanitárias em função do género, com o objectivo de criar lavabos unissexo.


Devo referir que este tipo de iniciativas não é novidade em Nova Iorque. A mítica discoteca Limelite onde decorre uma das sequências do filme “Instinto Fatal” de Paul Verhoeven (1992), por exemplo, tem casas de banho únicas para homens e mulheres. Muitos outros locais de diversão e instituições de ensino um pouco por toda a cidade têm esta peculiaridade, ainda rara em Portugal. Porém, um dos motivos pelo qual surgiu esta questão deve-se ao facto de existir na NYU uma considerável população LGBT (Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero), com algum peso, ainda que relativo, da sua dimensão “T”.


Transgender são indivíduos que não se encaixam nas tradicionais categorias de género, ou seja, que, por algum motivo não se consideram ou não podem ser considerados, de modo absoluto, como “homens” ou “mulheres”. Podem ser transsexuais pré ou pós-operatório, cross-dressers (pessoas que gostam de se vestir como alguém do outro sexo, independentemente da sua orientação sexual), interssexuais (pessoas que nascem com características genitais ambíguas), de entre muitas outras possibilidades. Para estas pessoas, o simples acto de ir a uma casa de banho pública pode não ser um acto simples e implicar uma escolha tendo em consideração a sua identidade sexual (se se consideram homens ou mulheres, independentemente de terem um corpo masculino ou feminino) mas também as reacções das pessoas aí presentes. Por exemplo, um homem cross-dresser que decida ir a uns lavabos masculinos poderá suscitar reacções menos positivas dos homens que lá se encontrem, mas poderá também não ser acolhido de braços abertos num quarto de banho feminino.


A polémica em torno desta questão na NYU relaciona-se exactamente com esta realidade. Há quem, de um modo bastante aceso, conteste o pedido dos referidos alunos em ter WC unissexo por considerar que a presença de um homem (na perspectiva de muitos definido como uma pessoa com pénis) ofensiva e até abusiva numa casa de banho feminina. Dizia uma aluna, defensora desta posição: “Deixem-me fazer chichi em paz!”. É claro que, logo de seguida, era acusada de modo igualmente aceso de homofobia e de transfobia, levando a retaliação por parte daquela, e aí por diante...


Depois de alguma discussão, em reuniões e em fóruns da Internet, acabou por se chegar à conclusão que afinal já existiam, um pouco por todo o campus, casas de banho indivivuais e unissexo, que afinal eram a prova de que existia por defeito, senão uma política da instituição em relação ao assunto, ao menos uma solução de compromisso que permitia amainar ânimos.


Aquilo que, à primeira vista, poderá parecer uma discussão um tanto ou quanto sem sentido em torno das preocupações de meia dúzia de pessoas, revela, na verdade, um contexto social e político sensível às questões do género e da discriminação em torno de factores de ordem sexual, que está longe ainda de ocorrer em Portugal, ao menos com estes contornos. Podemos agora ter uma legislação bastante progressista no que respeita à mudança do género do ponto de vista oficial, mas ainda muito há por fazer. Por exemplo, nas casas de banho.


Artigo original, escrito em 2005 e adaptado em 2011.

1 comentário:

  1. :) leio com agrado o seu blog, devo acrescentar que já estive na holanda e no estádio de amesterdão as casas de banho são unisexo lol, para me espanto vivenciei o fenómeno e até senti uma sensação de "des - criminalização" lol, ou seja, quando em criança a brincadeira com alto teor "criminoso" de invadir a casa de banho das raparigas, deu lugar a um espaço comum e pacifico, também dá que pensar as questões legislativas e o poder que elas têm sobre o nosso comportamento.

    ResponderEliminar