O clítoris é dos órgãos mais inúteis que existem. A sua
única função conhecida é a de proporcionar prazer à mulher. Nisso continua a
ser um dos grandes mistérios da natureza. É que se presume que todas as partes
do corpo, por mais ínfimas que sejam, têm sempre uma função qualquer a cumprir.
São, por assim dizer, úteis. O teimoso do clítoris desafia essa lógica da
batata. Existe, estoicamente, apesar de não ter nenhuma função de relevo.
Esta, claro, é a parte em que as mulheres saltam, indignadas. “Mas então ter assim orgasmos fabulosos não é coisa de
relevo? Então e nós?” Pois. Sem dúvida que esse é um argumento pertinente.
Porém, reportemo-nos para já, à lógica científica clássica e
positivista. O clítoris até pode ser conveniente para fazer as mulheres vibrar de prazer na cama, ou lá onde elas muito bem entenderem. No entanto, se o fim último do sexo é o de favorecer a
reprodução, pelo menos do ponto de vista da continuidade da espécie, o clítoris
está muito mal colocado. E em vários sentidos. É que, ainda que não seja essencial, para engravidar convém
que haja penetração e, por sua vez, a penetração
não é das melhores formas de estimular o clítoris. Trezentos e cinquenta mil aparelhos
movidos a pilhas que se vendem em sex shops, já para não mencionar o clássico dedinho, fazem muito melhor trabalho. O coito consegue dar conta do recado apenas
por aproximação, sendo que é frequente que nem funcione como deve de ser. Em
contrapartida, é a melhor táctica para fazer bebés.
Sabe-se que, do ponto de vista do desenvolvimento fetal, o clítoris é o equivalente anatómico do pénis. No entanto, aquele botãozinho fantástico tem duas vezes mais terminações nervosas do que o órgão masculino, apesar de ser bem mais pequeno. E, enquanto que nos rapazinhos o respetivo apêndice se desenvolve de forma exibicionista e descarada para fora do
corpo, nas rapariguinhas ele mete-se para dentro até manter de fora apenas a
cabecita.
À semelhança do pénis, também ele fica erecto quando a mulher está
excitada. E, tal como o seu congénere masculino,
pode ter diferentes tamanhos, sendo que em alguns casos mal se vê mesmo quando
em erecção e noutros é tão protuberante que quase parece um pénis miniatura.
Sabendo-se tudo isto sobre o clítoris, mantém-se, porém, o
mistério quanto à sua função. Darwin, se se tivesse debruçado sobre o assunto, teria passado várias noites em branco tentando
perceber como é que a evolução da espécie humana terá dado origem a tal
aberração. As mulheres não se chateiam nada com isso. Mantêm o privilégio enigmático
de um órgão feito a pensar apenas nas suas necessidades. Afinal, se a evolução decidiu ser generosa para com elas, quem somos nós para a questionar.
Publicado na revista Pública a 29/11/2009
VINTE VALORES
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