quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Para que serve um clítoris



O clítoris é dos órgãos mais inúteis que existem. A sua única função conhecida é a de proporcionar prazer à mulher. Nisso continua a ser um dos grandes mistérios da natureza. É que se presume que todas as partes do corpo, por mais ínfimas que sejam, têm sempre uma função qualquer a cumprir. São, por assim dizer, úteis. O teimoso do clítoris desafia essa lógica da batata. Existe, estoicamente, apesar de não ter nenhuma função de relevo.

Esta, claro, é a parte em que as mulheres saltam, indignadas. “Mas então ter assim orgasmos fabulosos não é coisa de relevo? Então e nós?” Pois. Sem dúvida que esse é um argumento pertinente.

Porém, reportemo-nos para já, à lógica científica clássica e positivista. O clítoris até pode ser conveniente para fazer as mulheres vibrar de prazer na cama, ou lá onde elas muito bem entenderem. No entanto, se o fim último do sexo é o de favorecer a reprodução, pelo menos do ponto de vista da continuidade da espécie, o clítoris está muito mal colocado. E em vários sentidos. É que, ainda que não seja essencial, para engravidar convém que haja penetração e, por sua vez, a penetração não é das melhores formas de estimular o clítoris. Trezentos e cinquenta mil aparelhos movidos a pilhas que se vendem em sex shops, já para não mencionar o clássico dedinho, fazem muito melhor trabalho. O coito consegue dar conta do recado apenas por aproximação, sendo que é frequente que nem funcione como deve de ser. Em contrapartida, é a melhor táctica para fazer bebés.

Sabe-se que, do ponto de vista do desenvolvimento fetal, o clítoris é o equivalente anatómico do pénis. No entanto, aquele botãozinho fantástico tem duas vezes mais terminações nervosas do que o órgão masculino, apesar de ser bem mais pequeno. E, enquanto que nos rapazinhos o respetivo apêndice se desenvolve de forma exibicionista e descarada para fora do corpo, nas rapariguinhas ele mete-se para dentro até manter de fora apenas a cabecita. 

À semelhança do pénis, também ele fica erecto quando a mulher está excitada. E, tal como o seu congénere masculino, pode ter diferentes tamanhos, sendo que em alguns casos mal se vê mesmo quando em erecção e noutros é tão protuberante que quase parece um pénis miniatura.

Sabendo-se tudo isto sobre o clítoris, mantém-se, porém, o mistério quanto à sua função. Darwin, se se tivesse debruçado sobre o assunto, teria passado várias noites em branco tentando perceber como é que a evolução da espécie humana terá dado origem a tal aberração. As mulheres não se chateiam nada com isso. Mantêm o privilégio enigmático de um órgão feito a pensar apenas nas suas necessidades. Afinal, se a evolução decidiu ser generosa para com elas, quem somos nós para a questionar.

Publicado na revista Pública a 29/11/2009

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