terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Natal assexual?



O Natal não é uma época do ano que, regra geral, se associe ao sexo. Afinal, a celebração da época natalícia refere-se a um nascimento ocorrido há anos suficientes para que seja plausível, ainda que remotamente, que o mesmo tenha resultado de um acto de procriação assexuado. De resto, em épocas bíblicas aconteciam coisas tão bizarras quanto mares que se abriam para dar caminho a fugitivos no deserto, pessoas que se transformavam em sal por olharem para trás e rios que se tingiam de sangue. E mais, sem que ninguém achasse nada disso fora do normal.

Ainda que as semelhanças entre a Virgem Maria, as amibas e as laranjas da Bahia sejam fascinantes, não deixa de ser interessante olhar para trás, esperando não nos transformar em estátuas de sal, e descobrir que algumas práticas natalícias têm na verdade origens bastante pagãs.

Em Roma Antiga, entre os dias 17 e 24 de Dezembro festejava-se a Saturnalia, um festival dedicado ao deus Saturno. Era uma época em que se sacrificavam animais, se trocavam presentes e se comia à grande e à Romana. Celebrando o solstício de Inverno e em preparação para a abundância que se esperava na Primavera, os famosos bacanais eram parte integrante do programa das festas.

Nos países anglo-saxónicos existe a tradição de pendurar ramos de visco no tecto durante a época natalícia. As pessoas que se encontrarem por baixo desse ramo terão que se beijar. Tal costume, que certamente fará muita gente andar de cabeça erguida em festas de Natal, umas para evitar serem apanhadas desprevenidas lá debaixo, outras para apanhar a pessoa certa no mesmo local, também tem as suas origens pagãs. Freya, a Deusa Nórdica do amor, terá colocado visco entre o céu e a terra e beijado todas as pessoas que por lá passassem, em gratidão pela ressurreição do seu filho.

Por sua vez o azevinho, mais comum decoração de Natal no nosso cantinho do mundo, ostenta as cores típicas da época, verde e vermelho, que por sua vez simbolizam o masculino e o feminino, com referências indirectas à fertilidade.

Apesar de poder continuar por aqui fora, nomeadamente com referências ao simbolismo das árvores erectas por essas ruas e casas fora, arriscando chocar mentes mais sensíveis e destruir para sempre a ideia da inocência do Natal, não o vou fazer.

Nestas épocas festivas, em que desesperamos sobre o que comprar para familiares, amigos e colegas, até a exaustão entretidos em jantares e festas de Natal, corremos o risco de ficar um pouco assexuais. Nem que seja porque as nossas energias estão concentradas noutras actividades.

Natal e sexo, porém, não têm de estar de costas voltadas, como de acordo com as suas influências milenares, nunca estiveram. O sexo é, afinal, uma celebração da vida. Como cantava o outro, vamos então todos sonhar com um Natal branco.

Publicado na revista Pública de 26/11/2010

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Os metro, os retro e os gastro

Desde a sua gloriosa estreia em 1953 com Marilyn Monroe na capa, que a revista Playboy tem entretido gerações inteiras de muitos homens e algumas mulheres. Ao longo dos seus 56 felizes anos de vida, foi também acompanhando as tendências do que é considerado um corpo feminino atraente. Uma outra revista norte-americana, a Wired, no seu último número, decidiu analisar a evolução do índice de massa corporal das mulheres que fizeram capa da Playboy ao longo de todos estes anos e compará-la com a da média nacional norte-americana. Como esperado, enquanto que as coelhinhas da Playboy foram diminuindo de tamanho, as coelhonas das mulheres americanas foram aumentando.

Que a relação entre os padrões de beleza feminina e a realidade é profundamente esquizofrénica, já todos o sabíamos. Agora porém, começam os homens a sofrer de semelhante dilema. Quando uma nova geração de homens começou a preocupar-se com a sua imagem, recorrendo a produtos cosméticos, roupas de marca e ginásios com quase tanta frequência quanto as suas namoradas e esposas, percebeu-se que alguma coisa estava a acontecer no até então relativamente descomplicado mundo masculino. Nessa área, pelo menos! Assim nasciam os metrossexuais.

Entretanto, diz-se, apareceram os gastrossexuais, os homens que se aperfeiçoam nas artes culinárias para impressionar e conquistar um lugar no coração das suas amadas, via estômago.

Mais recentemente, alguma comunicação social norte-americana tem dedicado reportagens aos retrossexuais, a saber, os homens que estão determinados em manter a aparência (e por vezes a atitude) de “homens a sério”, seja lá isso o que for. Uma das suas características é, em particular, o orgulho pela sua pilosidade corporal, ao contrário da tendência de alguns metro em quase se depilarem da cabeça aos pés. Quase.

A retrossexualidade pode muito bem ser uma reacção, talvez exagerada, à metrossexualidade. Mas parece ao mesmo tempo indicar que os padrões de beleza masculinos são agora bastante mais fluidos do que eram no tempo dos retrossexuais de antigamente. Perguntam os homens: Como poderemos manter-nos actualizados com estas tendências sempre a mudar? E respondem as mulheres, com uma bem justificada ponta de sarcasmo: Pois é, meus caros, nós já o fazemos há muito tempo e pelo menos, a cada seis meses!

A igualdade entre homens e mulheres, que apesar de tudo, continua a ser um bonito ideal a alcançar e não ainda um facto consumado, trouxe muitas mais surpresas do que mulheres a usarem calças e homens a cuidarem de bebés. Acartou consigo todas estas novas exigências com as quais os homens têm agora que lidar. E assim regozijam-se as mulheres ao ver os homens a transformarem-se e já transformados em objectos sexuais.



Publicado na revista Pública de 08/02/2009

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O mês de Movembro

Em 1999, na encantadora mas perdida cidade de Adelaide, na Austrália, um grupo de homens teve uma ideia cabeluda. Entre uma cerveja e outra, alguém terá sugerido: “E se nós, gajos, deixássemos crescer o bigode, e usássemos isso para angariar umas massas para causas importantes para nós, gajos?”.

A ideia pegou que nem fogo num eucaliptal em dia de 48 graus centígrados. Em breve muitos começaram a deixar crescer buços, que foram dando lugar a maiores pilosidades supra-labiais, culminando em fartas bigodeiras de meter respeito a qualquer um.

Primeiro na Austrália, depois na vizinha Nova Zelândia, seguidas pelos EUA, Irlanda, Reino Unido e até aqui bem próximo, em Espanha, muitos homens começaram a deixar crescer o bigode no dia 1 de Novembro com o objectivo de “mudar o rosto da saúde dos homens”. Todos os anos organizam-se várias iniciativas que culminam numa gala no final do mês, em que os orgulhosos machos exibem as suas farfalhudas bigodaças. Com essas iniciativas recolhem fundos para combater o cancro da próstata e a depressão masculina.

O mês de Novembro nunca mais foi o mesmo. Até mudou de nome e passou chamar-se Movembro (movemberfoundation.com).

Verdade é que deixar crescer um bigode requer alguma coragem. Até porque tais pilosidades estão fora de moda. Agora usam-se barbas completas ou cara rapada. Um bigode é assim como que a bissexualidade do pêlo facial. É o meio caminho entre duas posições mais ou menos extremas e incompatíveis. Por isso também, deixar de barbear a zona imediatamente abaixo do nariz implica ter que lidar com as reacções dos outros. Oscilando entre o deslumbramento e a aversão, um bigode não deixa ninguém indiferente. Mais ainda as mulheres que ficam vulneráveis às cócegas proporcionadas pelo acto de beijar um homem de bigodes.


E, como se não bastasse, há algo de vagamente pornográfico num bigode, um dos acessórios básicos de qualquer actor de filmes porno dos anos 70 que se prezasse. Já para não mencionar o ternurento conceito de mustache ride (cavalgada de bigode) forma como por vezes se designa o cunilingus em países de expressão Inglesa. Em tal prática, não só a mulher está de facto a cavalgar num bigode, caso o cavalheiro o tenha, como o cavalheiro ficará com o seu aumentado ou ganhará um emprestado com as pilosidades íntimas da sua companheira. A regra é, claro, que o bigode não seja curto em demasia, sob o risco de arranhar mais do que estimular a pobre rapariga.


Mas seja enquanto novo e diferente brinquedo sexual, seja como meio original para combater males sem dúvida sérios e muitas vezes esquecidos, nada como um respeitável bigode. Que o digam alguns dos grandes ditadores do século XX que não passaram sem ele. É que, afinal, um bigode consegue mesmo marcar a diferença.


Publicado na Revista Pública, em 15/11/2009

sábado, 9 de outubro de 2010

Libido a zeros



Já alguma vez imaginou a sua vida sem aquela coisa meia chata meia fabulosa do sexo? Já pensou como seria um descanso por um lado mas uma grande chatice por outro andar por aí livre de interesses pouco católicos por certas pessoas? Pois bem, ainda que nunca tenha tido essa sorte ou esse azar, certo é que existem pessoas que dizem ser assim: assexuais.

Os assexuais reclamam uma ausência de interesse sexual, uma energia libidinal zero que os deixa indiferentes face aos prazeres da carne. Mais, consideram a assexualidade, por oposição ao celibato, como uma orientação sexual e não como uma opção. Quer isso dizer que se consideram como a quarta via alternativa à hetero, à homo e à bissexualidade. O que não deixa de ser interessante, uma vez que estaremos perante a ausência completa, ou coisa assim, de desejo. Se não há desejo, ele não se pode orientar ou, como por vezes acontece, desorientar-se.

Que fique claro que é possível que existam pessoas cuja libido seja nula. A diversidade humana permite que se encontre todo o espectro de intensidade do desejo sexual, desde aquelas pessoas que necessitam de alguma forma de titilação oito vezes por dia, até às que podem passar meses a fio sem se lembrar que o equipamento lá de baixo pode ter diversas utilidades além do alívio da pressão na bexiga. Para estas estar perante a Angelina Joli ou o Brad Pitt, ou mesmo perante os dois ao mesmo tempo com ar meloso a convidarem-nas para um ménage à trois, nem as aquece nem arrefece.

Certo é que a assexualidade é um dos fenómenos que põe em causa a noção de normalidade sexual. Se, num extremo, as pessoas que procuram sexo de forma um tanto desenfreada, ao ponto de afectar o seu bem-estar familiar, profissional e financeiro, arriscam-se levar o rótulo de compulsivos sexuais, no outro extremo temos este grupo de pessoas que defendem o seu direito à diferença pela ausência de libido.

Um dos motivos que levou à criação de um movimento de assexuais (ver, por exemplo, asexuality.org), foi o facto de muitas vezes esses indivíduos serem incompreendidos pelos outros. Não deve ser fácil assumir-se como imune às tentações mundanas num mundo tão carregado das mesmas.

É que, apesar de ainda termos dificuldade em lidar com a sexualidade em termos globais, é curioso que também nos seja difícil confrontarmo-nos com a sua ausência. Na nossa necessidade de colocar pessoas em caixinhas muito bem arrumadas na nossa cabeca, quando alguém reclama estar para lá de caixas a nossa tentação é correr para o Ikea para encontrar uma que seja suficientemente grande para lá a encaixar. A assexualidade, enquanto categoria, de alguma forma vem dar resposta a essa necessidade, tornando-se no lar para esse amaldiçoado ou talvez abencoado estado de zen sexual.

Publicado na revista Pública a 25/01/2009

domingo, 19 de setembro de 2010

Etiqueta quê?!



Sabia que é um gesto de boa educação desligar o telemóvel durante um encontro sexual? Que se devem tirar sempre as meias antes do acto, a não ser que o parceiro ou parceira indique o contrário? Que nunca se deve fixar o olhar no peito ou genitais de alguém que se acabou de conhecer, por muito proeminentes que os respectivos possam ser?

Pois bem, estas e muitas outras pérolas de sabedoria sexual podem ser encontradas num livro que recomendo a todos aqueles que têm ou pensam vir a ter algum tipo de vida sexual. É o “Nerve’s Guide to Sexual Etiquete” de Em e Lo (Plume, 2004). Isso mesmo, um livro sobre etiqueta sexual, um guia para os solteiros e casados do novo milénio, cheio de pequenos e grandes conselhos para quem possa ter incertezas no leito como na discoteca, no ménage à trois como no clube de swing.

Gostaria de partilhar as suas fantasias sexuais com a namorada mas receia melindrá-la? Não há problema, Em e Lo dão sugestões sobre como facilitar o processo. Não sabe qual a melhor forma de desaparecer após uma noite de sexo desenfreado com um desconhecido ou desconhecida? No worries! Este guia dá-lhe algumas pistas (Dica: escapulir durante a noite sem dizer adeus ou deixar, ao menos, uma nota de despedida, é considerado de mau tom!).

Devo esclarecer que não sou defensor de regras universais sobre como as pessoas se devem comportar, no sexo como noutras áreas da vida. Circunstâncias diversas, incluindo a cultura da pessoa e os seus modos de pensar e sentir irão condicionar as suas opções. Um infalível quebra-gelo de conversa, que pode até funcionar em muitas situações, poderá ser estranho ou inapropriado noutras. Por isso, nada como o bom senso para julgar, em cada momento, qual a forma mais adequada e, espera-se, polida, de agir.

Porém, no que toca à sexualidade, há um problema. É que, por regra, as pessoas nunca tiveram a oportunidade de esclarecer as suas dúvidas e desfazer ideias feitas sobre a interacção entre parceiros sexuais efémeros ou de longa data. A aprendizagem nestas lides faz-se, muitas vezes, da pior forma: através de alguém que sabe menos do que o próprio (versão adolescente); no “é suposto ser assim” das revistas femininas; no “faça-o-pino-e-pendure-se-no-lustre-que-ela-vai-gostar” das revistas masculinas; na estereotipia da pornografia; (ainda) na catequese e no mito sexualmente repressivo, tão enraizado entre nós.


Por isso, ainda que correndo o risco de ser por vezes limitativo e possivelmente, em breve, datado, este “Nerve’s Guide”, como outros livros semelhantes, podem ser úteis para orientar quem ainda não sabe que, para rejeitar alguém por quem não está interessado, basta dizer: “Obrigado. Sinto-me lisonjeado por estar interessado em mim, mas neste momento não estou disponível”.


Publicado na Pública dia 6/07/2008

sábado, 21 de agosto de 2010

Estupidez emocional

A inteligência emocional, a par da auto-estima, da assertividade e da resiliência, é daqueles conceitos provenientes da Psicologia que acabou por se tornar famoso e por ser integrado na linguagem comum. Para quem não sabe o que é, a inteligência emocional relaciona-se com a capacidade, que idealmente todos deveríamos ter, de lidar com as nossas emoções de um modo saudável e produtivo.

Pessoas emocionalmente inteligentes deverão ser capazes de reconhecer as suas emoções, de se aperceber e de respeitar as das outras pessoas, além de as utilizar como bons guias de conduta. Porém, o que acontece com muita frequência é que as pessoas têm dificuldade em gerir as suas emoções. Deixam-se levar pelo calor do momento ou ficam toldadas no seu juízo, acabando por fazer coisas que lhes são prejudiciais, naquilo que muito bem poderia ser chamado de estupidez emocional.

Ao nível profissional esta incapacidade de lidar com as emoções pode levar a escolhas pouco acertadas e a criar situações de conflito com colegas e chefias. Ao nível familiar pode ser causa de discussões, de faltas de diálogo e de ressentimentos que duram toda uma vida. Como se tudo isso não bastasse, no que respeita à vida amorosa, tais condicionalismos emocionais levam muitas pessoas a envolverem-se com outras que, provavelmente, não são as mais indicadas para elas ou que pelo menos não o são naquele momento.

E não o são porque mantêm outras relações e não estão dispostas a abdicar das mesmas, mesmo que digam que o irão fazer no futuro. Porque humilham e agridem verbal e fisicamente. Porque têm interesses ou formas de estar na vida de tal forma diferentes que se tornam irreconciliáveis numa relação a dois. Porque, enfim, não estão dispostas a assumir um compromisso e preferem manter uma “amizade colorida” quando não é esse o desejo da outra pessoa envolvida.

Nestas, como em muitas outras situações, existe quem se mantenha infeliz ou pelo menos não completamente satisfeita na relação, ainda que sempre na expectativa de que as coisas melhorem. Na maioria dos casos, isso nunca chega a acontecer. Ainda que as relações não estejam de acordo com os desejos de uma das partes, acaba-se por ir vivendo com a situação tal como ela é, muitas vezes por comodismo, mas também por medo de ficar só.

Tudo isto não significa que as pessoas escolham conscientemente relações pouco gratificantes. Quantos de nós já não se apaixonaram sem ser correspondidos sabendo, à partida, que qualquer possibilidade de uma relação se encontrava fora de questão? Felizmente não somos máquinas e, por esse motivo, não controlamos as nossas emoções que por vezes nos pregam partidas. Faz parte da experiência de estar vivo não saber que rasteira os nossos desejos e vontades nos irão passar e para que estranhas paragens nos irão levar as nossas emoções.

A grande questão é: se nos fosse dado a escolher, será que as coisas seriam diferentes? Teriamos o descernimento de optar pelas pessoas e pelas situações que nos poderiam fazer felizes? Enveredariamos pelos caminhos mais apropriados para o nosso coração? Estas são questões que permanecem em aberto.

Porém, tenho a ideia de que as respostas não são tão simples quanto poderão parecer à partida. Ou seja, não sei se algumas pessoas, quando confrontadas com tal possibilidade de escolha, optariam pela melhor alternativa. Até porque, em alguns casos, o sofrimento também pode ser uma forma de estar na vida que serve de motor, de alimento e de alento. Será que se escolhe sofrer? Já dizia o poeta que o amor tem razões que a razão desconhece.

Publicado na Revista Activa em 2002

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Machos alpha e beta

É sabido que os humanos são assim espécie de animais, ainda que com a mania de serem melhores do que os outros. Gostamos de pensar que o nosso intelecto nos coloca numa posição sobranceira a crocodilos, pardais e muitas espécies de bivalves. A verdade é que ao mesmo tempo somos e não somos superiores a tais bichos. A nossa sofisticada mente permite-nos fazer coisas como jogar xadrez e ler a Pública enquanto ouvimos a 9ª de Beethoven no leitor de MP3. Mas no fundo, continuamos a ser animais com comportamento em muitos aspectos semelhante ao de outras espécies. Exemplo disso é a existência entre humanos de machos alpha.


Em certas sociedades animais, como as dos lobos ou dos chimpanzés, existe um macho dominante. Esse é o líder que é respeitado pelos restantes, nem que seja porque se não o fizerem apanham pancadaria da grossa. Esse macho é também aquele que tem maiores hipóteses de crescer e multiplicar-se por ter acesso privilegiado às fêmeas. A esse elemento dá-se o nome de macho alpha.


Entre humanos, tornou-se comum chamar machos alpha aos homens que de alguma forma são líderes naturais. Mesmo os que na maior parte das vezes não têm que dar dentadas aos outros para conseguirem ser bem sucedidos. Darão eventualmente dentadas virtuais, uma vez que muitas vezes são agressivos na sua actuação. São, de resto, bem sucedidos entre as mulheres pela aura de poder físico ou económico que emanam.


À criatura que assume a posição de braço direito do macho alpha dá-se o nome de macho beta. Esse é o apaziguador, o que provou lealdade e mereceu confiança do seu líder. É o comunicador que resolve com diplomacia os problemas bicudos que o outro não consegue resolver à sua maneira. O típico homem beta é sensível e um comunicador nato.


Nas recentes eleições norte-americanas, um dos tópicos de discussão em alguma comunicação social foi o facto de que, enquanto McCain tinha todo o perfil de macho alpha, acabou por ser um macho beta, Obama, a ganhar a corrida. É certo que Bill Clinton já tinha características beta. Mas como se provou mais recentemente, parte da sua força provém da sua associação com Hillary. Assim, à semelhança de algumas sociedades animais, os Clintons são um perfeito par alpha, que será interessante observar agora dado o novo cargo de Hillary.


Numa época em que os machos beta andam por aí e em que as suas características são valorizadas, o novo líder do país mais poderoso do mundo é ele também um macho beta. Não nos devemos esquecer porém que Sara Palin contribuiu bastante para a derrota de McCain, em grande medida por ser um bom (mau) exemplo de fêmea alpha. É que se ser homem e sensível é agora valorizado, ser mulher e agressiva, ainda não o é. E isso diz muito sobre o mundo em que vivemos.

Publicado na revista Pública de 08/01/2009

sábado, 3 de julho de 2010

Calores de Verão




O Verão, as altas temperaturas e os destinos tropicais encontram-se associados no nosso imaginário à licenciosidade e à devassidão. No bom sentido, claro. Existe a ideia de que à medida que o mercúrio dos termómetros sobe, também os nossos barómetros de desejo subirão de forma incontrolável, deixando-nos vítimas de desígnios superiores a nós.


Mas será que existe de facto uma relação entre temperatura e sexualidade? Terá a ciência moderna comprovado essa realidade meia inventada pela mente perversa do senso comum? Na verdade as investigações sobre esse tópico são ainda relativamente inconclusivas.


Um dos indicadores que tem sido utilizado para avaliar a relação entre calor e sexo tem sido a incidência de violações ao longo do ano. Ao contrário das relações sexuais que ocorrem provavelmente aos milhões todos os dias em todo o mundo, dessas outras infelizes ocorrências existem registros que podem ser contabilizados. A maioria das investigações indica que é por finais do Verão, concretamente em Setembro que em países do Hemisfério Norte ocorrem os picos de violência sexual. Porém, certo é também que outras formas de violência, como guerras ou actos violentos não-sexuais, têm igualmente um pico por alturas de fins de Verão. Tal pico parece coincidir com o aumento sazonal da testosterona nos homens, hormona associada com a sexualidade e com a agressividade.


Os dados relativos à incidência de infecções sexualmente transmissíveis apontam mais ou menos para o mesmo, ou seja, para que há mais pessoas a portarem-se bem mal no final do Verão ou início do Outono. Por sua vez, os estudos sobre nascimentos indicam que a maioria das concepções terão lugar no Inverno.


De acordo com todos estes dados, todos parciais e limitados, parece que afinal o Verão não é mais do que uma boa campanha de marketing ao sexo, o outdoor que levará os consumidores, poucos meses mais tarde, a um certo consumo desregrado. Certo é que no Verão os corpos se expõem, sugestivos e oferecidos. As pessoas estão mais frequentemente de férias e, logo, com mais tempo para o sexo. O mesmo se passa nos países próximos do equador, para onde se vai descansar e divertir, e em que o próprio ritmo de vida será mais propício aos prazeres da carne.


A biologia certamente que ainda ditará muito do que somos e fazemos. Porém, o Homem consegue ser suficientemente criativo para ultrapassar as suas aborrecidas limitações biológicas. Em tempos remotos os nossos antepassados terão sido condicionados nas suas fúrias reprodutivas por períodos de cio. Para alguma coisa terão servido uns bons milhares de anos de evolução. Se hoje em dia por vezes achamos que não temos tempo para o sexo, pelo menos temos a grande vantagem de o poder gozar em qualquer altura do ano.

 
Originalmente publicado na Pública de 31/08/2008

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Prazer à mão de semear

O prazer sexual é das coisas mais democráticas que existe. Ao alcance da mão, qualquer pessoa pode ter o Nirvana, o êxtase supremo, o deleite imenso de um orgasmo explosivo. E tudo isso sem ter que se preocupar em encontrar um parceiro. Na intimidade de um chuveiro, no quentinho da cama, na casa de banho pública ou na sala de estar, disfarçadamente na praia ou descaradamente no transporte público, todas as pessoas podem gozar a sua sexualidade no que ela tem de melhor. A masturbação, prática perseguida e condenada ao longo das eras, parece finalmente ter encontrado o merecido descanso no alvor do século XXI.


Parte das culpas da danação indevida da masturbação podemos atirá-las para Onan. Ao ter relações sexuais com a mulher do falecido irmão, a bíblica personagem optou por praticar coito interrompido, “derramando a sua semente”, em vez de a aproveitar condignamente, engravidando a senhora sua cunhada, como mandava a tradição. Pelo seu atrevimento, sofreu de pena capital, directamente pela mão de Deus.


Pois bem, além da semente de Onan, muita tinta foi derramada a propósito de tal episódio. A religião aproveitou-se da marotice de Onan para condenar toda a prática, desde então também chamada de Onanismo, de desperdício de sémen, por ser contra a vontade do Senhor.


No século XIX, a esse propósito, desenvolveram-se os mais variados aparelhos, muitos deles de requintada maldade, para prevenir a masturbação (pensem em cintos de castidade masculinos revestidos na parte interior com picos, de forma a desencorajar toda e qualquer erecção nocturna). Defendia-se então, e infelizmente até há bem pouco tempo, que a masturbação era causa de todos os males e mais uns tantos. A lista é longa, mas os mais populares seriam a esterilidade, a disfunção eréctil, a cegueira, a queda de cabelo, as borbulhas, a tuberculose, não esquecendo os famosos pêlos nas palmas das mãos.


Tanto quanto se sabe nunca ninguém teve que pentear as suas palmas devido a um excesso de práticas auto-eróticas. Com devido louvor, a masturbação atravessou épocas mais conturbadas para hoje ser uma actividade sobre a qual praticamente nem se fala. Toda a gente (ou quase) a pratica, sem se preocupar muito com isso. Ou pelo menos assim se espera.


Se ainda há quem se culpabilize devido aos seus privados vícios, será por distracção ou indevido esclarecimento. A ciência moderna demonstrou finalmente que nenhum mal viria a quem quer que seja por se masturbar. Sabemos que essa é, de resto, uma forma saudável de explorar a sexualidade, em particular quando se é adolescente. Para os adultos, é o ‘faça você mesmo’ do sexo, especialmente quando se está com excitação a mais e parceiros a menos.


Afinal, porquê passar fome quando o pão está no regaço?

 
Originalmente publicado na Pública de 08/06/2008

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Padecimentos de Vénus



Mal sabia Vénus que o seu nome iria ser usado e abusado pelos comuns mortais. Pensaria lá a deusa do amor que se iriam chamar de venéreas a uma série de doenças muito pouco simpáticas. Pois durante muito tempo foi esse o nome que se lhes deu, decerto para desagrado da deusa. Hoje em dia, porém, já está fora de moda falar de doenças venéreas, assim como já não se usa a expressão “doenças sexualmente transmissíveis”.

Na designação mais moderna de infecções sexualmente transmissíveis, existe agora uma mensagem escondida. É que as doenças tanto podem dar um ar irritante da sua graça como armar-se em agentes secretos ao serviço de nenhuma majestade e muito menos de Vénus. Divertem-se saltitando levemente de nenúfar em nenúfar, qual elefante numa loja de porcelana, deixando a sua marca em quem sem querer se torna num lar para hóspedes indesejados.

É que quando alguém está doente, pensamos em ranhoca e olhares febris, em gente descabelada e a queixar-se de ter a cabeça quase a explodir. Pessoas assim estão doentes para lá de qualquer dúvida. Porém, uma pessoa infectada também tem uma doença mas pode, ao mesmo tempo, ter uma aparência saudável, dentes reluzentes e passar horas a exercitar-se vigorosamente no ginásio.

A mensagem escondida da mais recente designação atribuída às enfermidades de Vénus é, assim, uma que realça a ideia de que o aspecto de uma pessoa não diz nada sobre o seu estado de saúde. Pretende alertar os mais distraídos que poderão achar que o bronze ou o corpinho bem-feito são prova suficiente de que o seu parceiro sexual nunca poderá estar doente.

Mesmo uma mera gripe, que para muitas pessoas não será motivo suficiente para suspender a sua vida sexual, poderá ter muito que se lhe diga. Cerca de 80% das pessoas recentemente infectadas com o VIH desenvolvem uma infecção aguda, cerca de duas a quatro semanas após a exposição ao vírus. Os sintomas dessa infecção podem ser dores de garganta e de cabeça, fadiga, perda de apetite, febre, entre outros. Não é por acaso, por isso, que muitas vezes essas infecções passem despercebidas, levando a que se percam oportunidades de diagnóstico e tratamento precoces.

O problema é que, durante a infecção aguda, o portador do VIH é muito mais infectante. Quer isso dizer que as probabilidades desse indivíduo infectar alguém com quem mantenha uma relação sexual são muito maiores do que mais tarde, na fase “invisível” da doença. Como o VIH e doenças afins só acontecem aos outros, uma pessoa que se infectou recentemente não irá fazer grande coisa em relação à sua “gripe” e porventura passar os seus bichinhos a terceiros, sem o saber. É que infelizmente, às vezes, uma gripe não é apenas uma gripe e Vénus pode também ser deusa de coisas menos boas do que o amor.

Originalmente publicado na Pública de 14/09/2008

terça-feira, 11 de maio de 2010

É tão bom, não foi?

Os dois amantes estão juntos num qualquer recanto confortável de uma casa. A cena começa com abraços e beijos, aconchegos suficientes para despertar uma certa vontade. Antes que o Diabo esfregue o olho, já as roupas estão a ser atiradas pelo ar. Sôfregos de antecipação, rebolam pelo tapete, dão encontrões nos móveis, partem duas jarras e deitam ao chão um porta-bengalas.

Porém, assim que as coisas aquecem mais um pouco, ele começa a respirar de forma ofegante. Mais ofegante do que seria esperado. E passados uns momentos, não sem ponta de embaraço, acaba por dizer: “Já terminei…”

Antiga como o homem, a ejaculação prematura só muito recentemente passou a ser considerada gente. Que é como quem diz, que só há umas tantas dezenas de anos se decidiu que tal precocidade orgásmica seria digna de nota nos anais da sexologia. E não por acaso.

Até há bem pouco tempo não se esperava que as mulheres tivessem prazer. Interessava que os senhores tivessem a oportunidade de, por assim dizer, descarregar a sua tensão acumulada e que, para isso, as senhoras suas companheiras estivessem sempre disponíveis. Assim, se o homem demorava 10 segundos, 3 minutos ou duas horas (situação eventualmente rara) no acto, tal não interessava para nada. Interessava sim que eles, machos, vissem satisfeitas as suas necessidades.

O mundo mudou e, mais ou menos de repente, as mulheres começaram, surpresa das surpresas, a ter prazer sexual. Mais do que a ter, passaram a exigi-lo. A satisfação sexual feminina e os orgasmos, se possível múltiplos, tornaram-se numa comodidade como outra qualquer que se compra no supermercado e sem a qual não se pode passar.

Que as coisas não podiam continuar como estavam, toda a gente sabia. Porém, os homens ainda não se tinham apercebido da situação bicuda em que se encontravam e foram apanhados com as calças nas mãos. Em alguns casos, literalmente. E assim surgiu a necessidade de criar uma nova categoria de perturbação sexual: a ejaculação precoce. Sinal dos tempos.

A ejaculação precoce pode ter causas orgânicas, por exemplo, nos casos em que surge devido a uma infecção urinária masculina. Mas essas são uma minoria. Mais das vezes é causada por factores de ordem psicológica, como a ansiedade face ao coito, ou a simples incapacidade de controlar a excitação naqueles momentos fulcrais do início (ou, por vezes, ainda antes) da relação sexual. Um caso sério de qual é coisa qual é ela, que antes de o ser já o era. Uma chatice.

Apesar das suas origens essencialmente psicológicas, os homens que ejaculam com excessiva sofreguidão não controlam a sua resposta sexual mais do que conseguem controlar a bolsa de Nova Iorque. E fazer contas de cabeça, pensar sobre a fome em África ou noutras calamidades pouco excitantes, não são soluções. Existem sim outras formas mais eficazes e construtivas para lidar com a síndrome do pénis apressado. Inclusive surgiram recentemente medicamentos que podem dar um empurrão para que a coisa não se precipite.

Além disso, existem técnicas que podem ajudar o homem a calibrar o seu membro, para que seja ele, o homem, a controlar o dito, e não o contrário, como já tantas vezes acontece noutros contextos. Através de exercícios bastante simples, pode o homem aprender a parar enquanto é tempo e a ser mais contido quando tal é desejável.

Importa perceber que essa é uma situação que afecta ambos os elementos do casal e que ambos devem estar envolvidos no processo de recuperação. Para que os pénis e respectivos donos possam continuar a ser fonte de prazer e não de dores de cabeça.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Não dou beijos



Não existe coisa mais estranha do que o beijo. Mais ainda aquele conhecido pelo nome de um peixe. A união das extremidades superiores do aparelho digestivo de duas pessoas não parece cumprir grande função além da transmissão de uma série de doenças, incluindo a mononucleose, a gripe comum, a meningite e o herpes. Durante um beijo são trocados uns bons mililitros de saliva, bem como cerca de 250 mil bactérias. Em suma, é uma grande porcaria.

Mas nem por isso as pessoas deixam de se beijar. Beijam-se e voltam a beijar-se as vezes que forem precisas. Ao longo da vida, cada pessoa dará muitas centenas, se não milhares de beijos, trocando no processo vários litros de saliva. Porquê então tanta beijoquice? Que maquiavélicas artes nos levam a juntar bocas e línguas com outras pessoas, mesmo contra todas as regras da boa higiene?

Acreditam alguns especialistas que o beijo é uma reminiscência dos comportamentos de limpeza mútua do pêlo com a língua que ainda observamos em animais como os gatos, os macacos ou as ratazanas. Outros defendem que poderá derivar do processo de pré-mastigação da comida realizada pelas mães antes de a dar aos seus filhos boca a boca, em algumas espécies animais (blegh!). Outros ainda pensam que poderá servir para “saborear” o sistema imunitário do parceiro e assim fazer uma triagem de quem interessa ou não conhecer mais intimamente. Talvez seja esta a verdade escondida por detrás da ideia, berrada pela Cher do fundo da sua goela, que é no beijo que se consegue perceber se “ele” está mesmo apaixonado.

Certo é que o beijo ocupa um lugar curioso na nossa cultura e nas nossas cabeças. Existe a ideia clássica, eternizada pela prostituta da Julia Roberts, de que as raparigas da vida podem fazer coisas com os seus clientes que fariam ruborizar Santa Teresa de Ávila, mas beijar, nunca! Exactamente a mesma filosofia defendida pelo prostituto do filme de Téchiné ao qual este artigo rouba o nome.

Assim, o beijo é considerado um acto altamente íntimo e pessoal, mais ainda do que o coito ou o sexo oral. Porém, enquanto que estes são comportamentos que, se realizados no jardim ou na paragem de autocarro, dariam origem a algumas chatices e provavelmente envolveriam a polícia, o mesmo já não acontece com uma beijoca, pelo menos nos dias que correm.

Será a proximidade com a maioria dos órgãos dos sentidos que torna o beijo mais íntimo do que o coito? Sentir-nos-emos mais vulneráveis ao esfregarmos as nossas papilas gustativas nas de outra pessoa? O nosso gosto e concepções sobre o beijo desafiam a lógica e de alguma forma traduzem algumas das contradições com que encaramos a intimidade e o sexo. E entretanto, mesmo que não o possamos explicar, continuaremos a beijar-nos como se o mundo dependesse disso.


Artigo publicado na revista Pública de 5/04/2009

quarta-feira, 14 de abril de 2010

A fabulosa vida sexual das trufas





Quem iria imaginar que as boas das trufas, do fundo dos seus esconderijos subterrâneos, teriam uma vida sexual como outra pessoa qualquer? É que de tão discretas que são, nunca ninguém suspeitou que as ditas túberas sequer se reproduzissem da forma mais divertida que existe. Nem tão pouco alguma vez se ouviu falar do problema da gravidez adolescente das trufas ou do aumento das taxas de infecção pelo VIT (vírus da imunodeficiência trufal). Ainda que, bem que vistas as coisas, porque não terão as pobres coitadas direito ao seu prazer? Não serão as trufas também gente, no que toca ao sexo?

Mas vamos lá por partes. Uma equipa de investigadores Franceses da Universidade de Nancy liderados pelo Dr. Francis Martin, decidiu estudar o genoma das trufas. Os resultados foram agora publicados e revelam alguns dos segredos da vida íntima dos bichos. Que por sinal não são bichos, mas tubérculos, os frutos de uma espécie de fungo que cresce junto às raízes de árvores, em particular de carvalhos e castanheiros. E a maior descoberta de todas foi, de facto, que afinal esses tubérculos são seres sexuais, ou seja, têm dois “géneros” e é através do cruzamento entre eles que surge a diversidade trufal.

E porque se lembraria alguém de se dedicar a tão fastidiosa tarefa, quanto a de investigar o código genético desses peculiares seres, perguntam muito bem? Não foi por acaso. As trufas são consideradas iguarias de primeira, um produto gastronomicamente muito apreciado pelos gourmets. Por serem difíceis de encontrar, chegam a custar 6.000 dólares por quilo! Conhecer os detalhes da respectiva programação genética é uma chave importante para melhor produzir e assim ganhar uns trocos com as ditas das trufas.

Por terem o peculiar hábito de se esconder debaixo do chão, torna-se um tanto difícil encontrar parceiros sexuais, até porque ainda ninguém se lembrou de criar um site de encontros para as trufas na Internet, e bares de solteiros dedicados à espécie não existem. Por isso algumas trufas desenvolveram a capacidade de produzir a hormona libertada pelos porcos e javalis na altura do cio, emanando um aroma de tal forma potente que põe os pobres animais doidos de desejo. Neste caso de consumir as trufas. Assim as túberas apanham boleia dos ditos animais e espalham os seus esporões por outras paragens, depois de consumidas e processadas pelo tubo digestivo dos animais, por assim dizer.

Muito podem os humanos aprender com as trufas! Apesar de pouco valorizadas e muito recalcadas, as feromonas humanas sempre tiveram um importante papel na atracção sexual entre as pessoas. Transmissores químicos que são, as feromonas transmitem uma mensagem odorífera de desejo e depravação de alguma forma reminiscente da emitida pelas trufas. Excepto que estas precisam do seu cheiro para perpetuar a espécie e nós, humanos, já não. Assim se inventaram perfumes, águas-de-colónia e desodorizantes para disfarçar os odores corporais que se tornaram objecto de repulsa e repressão, quando na verdade a sua função é bem mais interessante.

Por sua vez as trufas não só não têm vergonha do seu cheiro como o usam descaradamente em prol da sua vida sexual que, caso contrário, seria tão monótona quanto o estudo do seu próprio código genético. Misturando-se e multiplicando-se podem assim continuar a deleitar quem tenha a possibilidade e se dê ao luxo de consumir tão requintado ingrediente.

Quanto a nós humanos, há quem diga que, no fundo, no fundo, todos somos uma trufa rechonchuda à espera do seu porquinho. Resta saber se algum dia assumiremos a atitude das trufas em relação ao seu cheiro e se, pelo menos de vez em quando, o utilizaremos como o afrodisíaco que ele pode ser.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Estupidez emocional

A inteligência emocional, a par da auto-estima, da assertividade ou da resiliência, é daqueles conceitos provenientes da Psicologia que acabou por ganhar popularidade e por ser integrado na linguagem comum. Para quem não sabe o que é, a inteligência emocional relaciona-se com a capacidade que idealmente todos deveríamos ter de lidar com as nossas emoções de um modo saudável e produtivo.

Quem tem a sua inteligência emocional bem desenvolvida deverá ser capaz de reconhecer as suas próprias emoções, de se aperceber e de respeitar as das outras pessoas, além de as utilizar como guias para o seu comportamento. Porém, o que acontece com muita frequência é que as pessoas têm dificuldade em gerir as suas emoções. Acabam por fazer coisas que lhes são prejudiciais, numa atitude que muito bem poderia ser chamada de estupidez emocional.

Ao nível profissional esta incapacidade de lidar com as emoções pode levar a escolhas pouco acertadas e a criar situações de conflito com colegas e chefias. Ao nível familiar pode ser causa de discussões, de faltas de diálogo e de ressentimentos que duram toda uma vida.

Como se tudo isso não bastasse, no que respeita à vida amorosa, estes condicionalismos emocionais levam muitas pessoas a envolverem-se com outras que, provavelmente, não são as mais indicadas para elas ou que, pelo menos, não o são naquele momento. E não são indicadas porque mantêm outras relações e não estão dispostas a abdicar das mesmas, mesmo que digam que o irão fazer no futuro. Porque humilham e agridem verbal e fisicamente. Porque têm interesses ou formas de estar na vida de tal forma diferentes que se tornam irreconciliáveis numa relação a dois. Porque, enfim, não estão dispostas a assumir um compromisso e preferem manter uma “amizade colorida” quando não é esse o desejo da outra pessoa envolvida.

Nessas, como em muitas outras situações, existe quem se mantenha infeliz ou pelo menos não completamente satisfeita na relação, ainda que sempre na expectativa de que as coisas melhorem de forma a conseguirem alcançar a felicidade. Na maioria dos casos, isso nunca chega a acontecer. Ainda que as relações não estejam de acordo com os desejos de uma das partes, acaba-se por ir vivendo com a situação tal como ela é, muitas vezes por comodismo, mas também por medo de ficar só.

Tudo isto não significa que as pessoas escolham conscientemente ter relações pouco gratificantes. Quantos de nós já não se apaixonaram sem ser correspondidos sabendo, à partida, que qualquer possibilidade de uma relação se encontrava fora de questão? Felizmente não somos máquinas e, por esse motivo, não controlamos as nossas emoções que por vezes nos pregam partidas. Faz parte da experiência de estar vivo não saber que rasteira os nossos desejos e vontades nos irão passar e para que estranhas paragens nos irão levar as nossas emoções.

A grande questão é: se nos fosse dado a escolher, será que as coisas seriam diferentes? Teriamos o descernimento de optar pelas pessoas e pelas situações que nos poderiam fazer felizes? Enveredariamos pelos caminhos mais apropriados para o nosso coração? Estas são questões que permanecem em aberto. Porém, tenho a ideia de que as respostas não são tão simples quanto poderão parecer à partida. Ou seja, não sei se algumas pessoas, quando confrontadas com tal possibilidade de escolha, optariam pela melhor alternativa. Até porque, em alguns casos, o sofrimento também pode ser uma forma de estar na vida que serve de motor, de alimento e de alento. Será que se escolhe sofrer? Já dizia o poeta que o amor tem razões que a razão desconhece.

Por vezes pode ser importante fazer um exercício de introspecção para tentar perceber quais os motivos pelos quais mantemos relações que não são satisfatórias. Será por medo de não conseguir melhor? Por medo de magoar a outra pessoa? Qualquer justificação pode servir como desculpa para manter uma relação que já não tem razão de ser. É nesses casos que a inteligência emocional deverá ser utilizada. Para que a felicidade pessoal possa voltar a ser um objectivo realista na vida de cada um.


Texto originalmente publicado na revista Activa

domingo, 21 de março de 2010

A passear o cão

Dantes a desculpa era a de ir comprar tabaco. Agora, com os cigarros cada vez mais fora de moda, a nova desculpa é a de ir passear o cão. Na versão clássica, comprar tabaco significava que se ia e não mais se voltava. Na versão moderna, ir passear o cão (dogging, em Inglês), é código para outro tipo de escapadela.


Aparentemente, um dos mais recentes desportos ao ar livre dos Britânicos é o sexo praticado em locais públicos, como parques de estacionamento ou áreas de picnic, à vista de observadores que podem ou não ser convidados a participar. Nele envolvem-se indivíduos e casais heterossexuais que dessa forma tem a possibilidade de experimentar actividades sexuais livres de compromisso com estranhos.


Para quem leu o altamente explícito mas monótono livro “A vida sexual de Catherine M.” de Catherine Millet, sabe que não se trata propriamente de coisa nova. De acordo com a autora, Paris e arredores são (ou já foram) férteis nesse tipo de orgias ao ar livre.


Hoje em dia, porém, o fenómeno é alimentado pela utilização da Internet para divulgar os locais em que o dogging ocorre e para angariar mais adeptos, pelos vistos com sucesso. Existem sítios especializados com listas de milhares de interessados nesse fenómeno. Além disso, algumas pessoas usam SMS para espalhar a palavra sobre onde vão estar a uma certa hora. Assim tornam a festa muito mais fácil e concorrida.


Aparentemente o dogging tem vindo a ganhar adeptos em países como o Brasil, o Canadá ou a Polónia. Da forma como actividades sexuais mais ou menos ilícitas depressa se tornam populares, não é de estranhar que em breve se trate de mais um fenómeno global.


Um dos aspectos interessantes dessa prática é a forma como ela esbate a fronteira entre público e privado. Dantes o sexo era coisa que se fazia na privacidade do quarto, cozinha ou corredor (de casa, entenda-se). Agora é feito no focinho de toda a gente. E, como se não bastasse, é comum utilizarem-se câmaras e telemóveis para registar imagens de tais eventos que são depois distribuídas pelo ciberespaço.


Se a pornografia sempre se dedicou à divulgação de imagens sexualmente explícitas para quem as quisesse comprar, parece agora ser moda a produção artesanal desse material que depois se põe ao dispor dos olhares mais indiscretos. Basta consultar alguns dos sítios especializados na rede para potencialmente se encontrar o vizinho, o patrão ou a senhora da papelaria nas poses mais escabrosas.


Estará a tecnologia a criar novas formas de explorar a sexualidade? Ou será que os potenciais exibicionista e sexualmente polimorfo sempre estiveram escondidos nas profundezas obscuras do ser humano apenas para agora encontrar as condições ideais para florescer? Isso é o que iremos descobrir nos próximos anos.

 
Publicado na Revista Pública de 02/11/2008

quarta-feira, 17 de março de 2010

Dentadas vaginais

A imaginação sexual humana é prodigiosa. Mais ainda a dos homens, cujos limites são muitas vezes os do absurdo e do disparatado. Tal ideia surge a propósito do inusitado facto de alguns homens acreditarem que as vaginas são dotadas de um belo conjunto de dentes, tal e qual como a boca. Para esses pobres coitados, o órgão sexual feminino será assim uma espécie de bicho feroz, pronto a fincar o dente a qualquer tentativa de aproximação.


Naturalmente que essa é uma ideia que levará qualquer homem a fugir das vaginas como o diabo da cruz. Afinal que homem gostaria de se ver dissociado de parte tão útil do seu corpo, e ainda para mais para servir de alimento a uma vagina qualquer?


A ideia da vagina com dentes – exactamente chamada de Vagina Dentata, em latim – não é nova e aparece descrita desde tempos imemoriais. Existem diversos mitos e lendas em que o órgão vulvular surge de dentes arreganhados e sem medo de os usar dada a ocasião propícia. Tal não bastando, foi recentemente lançado um filme, até premiado em Cannes, que celebra as maravilhas das vaginas dentadas, muito bem intitulado de “Teeth” (2007). Nele, uma rapariguinha insuspeita, descobre que guarda um segredo monstruoso dentro de si. Uns após outros, diversos rapazolas irão perceber da pior forma possível que se meteram com a vagina errada. Simplesmente assustador.


As vaginas que precisam de Colgate para se manterem frescas e brilhantes parecem estar de novo na moda, à semelhança dos vampiros. Tal é comprovado, não apenas pelo supracitado filme, como também pela criação de uma página no Facebook, exactamente intitulada de “Grupo de Pessoas que Suspeitam que a Vagina tenha Dentes, uma vez que tem Lábios”.


Convenhamos que posto dessa forma, tal não deixa de ser uma ideia com uma certa lógica. E pelos vistos tão assim é que esse peculiar grupo conta já com mais de 300 afiliados, e continua a engordar de dia para dia qual vagina garganeira.


Assim, parece que nos tempos sexualmente libertos em que vivemos, ainda subsistem receios infundados, alimentados até pelo folclore cinematográfico, de que as partes íntimas as senhoras são perigosas. Para alguns, tal receio baseia-se no famoso complexo de castração, descrito pela Psicanálise, e que remonta ao momento em que rapazinhos pequeninos descobrem que, onde eles têm um penduricalho, as raparigas não têm nada. Essa constatação levará os pequenotes a pensar que elas já terão tido um pénis que, por algum motivo, lhes foi retirado. Logo, se tal aconteceu com elas, com eles o mesmo também poderá suceder. Essa ideia acompanhará os rapazes ao longo de suas vidas, ainda que de forma inconsciente, revelando-se, por exemplo, no receio que as vaginas abocanhem os seus pénis, neste caso no mau sentido.


Há quem sugira também que o mito da Vagina Dentata simbolize o facto de que o pénis entra na dita pleno de pujança, e que de lá sai murcho e triste. Ou ainda que o sémen simboliza a vida e que, por ficar com ele, a vagina simbolize a morte. De uma forma ou de outra, facto é que durante a penetração o órgão masculino desaparece como que magicamente, vagina adentro. Assim como que engolido.


Bem analisadas as coisas, percebemos que tal criação inventiva não pode senão derivar do medo que muitos homens têm do órgão feminino e, em última instância, das mulheres em geral. Mas ainda que possam por vezes ser acusadas de ter mau hálito, as vaginas não fazem mal a ninguém nem habitualmente têm ataques de voracidade. Por isso não há que receá-las. Mas pelo sim pelo não, da próxima vez que se aproximar de uma delas, atire-lhe um naco de carne, sem ser o que tem entre as pernas, para ver o que acontece. Não vá o diabo tecê-las.

domingo, 7 de março de 2010

De espermatozóides e de homens

É muito comum reduzir-se a sexualidade masculina a um interruptor com duas posições: on e off. Por muito reducionista que esse modelo possa ser, facto é que ele acaba por ser muitas das vezes a mais pura verdade. E não porque os homens são criaturas robustas mas, coitadas, simples. Antes, resultado da tradição falocêntrica da nossa cultura, muitos homens continuam ainda hoje a ser um reflexo, pálido, mas actual, do macho latino de antanho. Bicho esse que, para bem dos nossos pecados, cada vez mais se encontra fora de moda.


Uma das ideias que ainda se encontra colada ao homem moderno como um autocolante à sola de um sapato, é a do avassalador e incontrolável desejo sexual masculino. Enquanto que das mulheres sempre se esperou uma certa passividade virginal, desapegadas como deveriam ser dos desejos carnais, dos homens sempre se esperou que agissem em conformidade com os seus impulsos animalescos. Um exemplo disso é a ideia de que se um homem não tiver oportunidade de ter relações sexuais, os seus fluidos irão avultar e tomar conta dele.


É importante esclarecer que, de facto, a partir da puberdade e até à morte, desde que não hajam acidentes testiculares pelo meio, os homens irão continuamente produzir espermatozóides. Muitos espermatozóides. A todas as horas do dia e da noite. À média de vários milhões de espermatozóides por hora.


Antes do leitor lançar as mãos à cabeça e ir a correr para a casa de banho para aliviar a pressão populacional lá em baixo, não vão eles de facto começar a ter ideias de migrar até à cabeça e invadir o cérebro com ideias libidinosas ou, sabe-se lá, começar a sair pelos ouvidos, convém explicar algumas coisas. É que os pobres bichinhos, como todas as criaturas neste mundo, têm o seu tempo de vida, que é relativamente limitado. Antes que tenham tempo de organizar um êxodo em massa para paragens menos próprias, se não forem libertados por vias naturais eles acabam por perecer e por ser reabsorvidos pelo organismo. Como já dizia Lavoisier, nada se perde, tudo se transforma.


A ideia de que os depósitos espermáticos dos homens se vão enchendo e que, eventualmente terão que ser despejados, traduz um conceito de sexualidade masculina muito básico. Vê o homem como uma vítima dos seus próprios mecanismos biológicos, além de servir como uma óptima desculpa para uma procura mais ou menos constante de sexo.


Os homens, tal como as mulheres, não têm que ter relações sexuais. Caso contrário, aqueles que, por escolha ou circunstância, acabam por não dar vazão aos prazeres de Vénus, sofreriam de fenómenos estranhos e esbranquiçados em zonas improváveis do corpo. Mas certos mitos, por serem muito convenientes, continuam a reproduzir-se qual espermatozóides no seu cantinho testicular.

Artigo publicado na revista Pública a 5/10/2008

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Teoria da cloaca



As aves, bem como os répteis, certos peixes e outros animais que por aí andam, têm um interessante órgão chamado cloaca. Com a cloaca pardais, lagartixas e raias, entre outros, defecam, urinam e põem ovos. E como seria de esperar de tão badalhocos animais, a cloaca serve ainda para ter sexo. Num acto de rara beleza, esses bichos dão o chamado beijo-cloacal, em que macho e fêmea juntam as suas extremidades posteriores para assim gozarem de um momento de intimidade e, já agora, para se reproduzirem também.


Pode então afirmar-se que a cloaca é dos órgãos mais multi-uso que encontramos na natureza. Concentra num só local as principais funções excretoras e sexuais de que um corpo é capaz. De resto, não é por acaso que a palavra cloaca, que deriva do Latim, signifique “esgoto”. Um nome, sem dúvida, muito apropriado.


Os humanos não têm cloaca. Por motivos alheios à nossa compreensão, a uma determinada altura da evolução humana, achou-se por bem diversificar, arranjando diversas vias para cumprir com as funções que aqueles pouco criativos animais concentram num só e concorrido vazadouro.


No entanto, muitas crianças, numa determinada fase do seu cândido desenvolvimento, acreditam que os bebés nascem através do ânus. Afinal, é por essa via que as pobres inocentes sabem sair objectos sólidos do corpo humano. É lógico portanto que pensem que outras coisas grandes e volumosas possam sair por ai também. Chama-se a essa crença infantil a “teoria da cloaca”.


Essa pitoresca, ainda que escatológica ideia, junta-se ao grupo das diversas teorias que as crianças pequenitas, à falta de melhor explicação, desenvolvem a propósito dos factos da vida sexual. Outros exemplos coloridos de tais ideações são, por exemplo, que os homens não têm qualquer papel na concepção de um bebé. Ou que quando têm relações sexuais, os pais estão, na verdade, a dar um valente enxerto de porrada um no outro. Por que outro motivo afinal gemeriam, gritariam e ofegariam tanto quando fechados no quarto?


Eventualmente as crianças irão descobrir que as suas teorias eram um perfeito disparate. E, à medida que crescem e se tornam adolescentes e depois adultos, irão também descobrir que os humanos podem não ter uma cloaca, mas certamente que tiram o máximo proveito possível dos orifícios que têm ao seu dispor. Mais, poderão até descobrir que, além de orifícios, diversas outras partes do corpo podem ser utilizadas para passar um bom momento. Que coxas, axilas e mamas são por vezes exploradas, usadas e até abusadas, em função da satisfação libidinal de alguns. Assim percebem que a vida sexual dos humanos é muito mais interessante do que um réptil alguma vez poderá sonhar. E finalmente ficarão satisfeitas por não ter uma cloaca.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Furor uterino



Na Grécia Antiga, bem antes das peripécias das senhoras desesperadas de Wysteria Lane, já várias mulheres eram acometidas daquilo a que hoje alguns chamariam de ataque de nervos. Estrebuchavam, tinham falta de ar e eventualmente desmaiavam sem mais nem ontem. Hipócrates, pai espiritual de médicos e psicólogos da actualidade, foi dos primeiros a tentar explicar tais espalhafatosos fenómenos.

Para ele, a causa do problema dessas senhoras seria o respectivo útero. Qual animal selvagem, esse órgão despregar-se-ia do seu local habitual, começando a subir corpo acima, provocando falta de ar e as palpitações típicas de tais manifestações. Por fim, causava o desfalecimento das coitadas, esgotadas com tanta agitação interna. O nome que ele deu a tal perturbação: Histeria.

Hoje em dia sabemos que nada de especificamente orgânico causa a histeria. Muito menos úteros enraivecidos a passearem pelo corpo das senhoras suas vítimas. Até porque homens, conhecidos por não terem úteros, também podem por vezes encontrar-se à beira de ataques de nervos desse tipo.

Mais sabemos que a causa de tais perturbações, hoje classificadas em respeitáveis manuais de psiquiatria como Perturbações de Conversão, é puramente psíquica e, de acordo com o senhor Freud e companhia, têm origem sexual infantil. Produtos de uma energia sexual mal contida, os sintomas físicos dessa perturbação traduzirão um sofrimento emocional e de alguma forma simbolizam os problemas que estiveram na origem do problema.

Mas sem querer entrar em detalhes técnicos aborrecidos, importa referir que o fanico histérico tem com frequência um componente de ganho secundário. Significa isso que tais ataques muitas vezes surgem como resposta a situações desconfortáveis ou embaraçosas para a criatura em causa.

Chegou cedo a casa e deu de caras com o seu marido na cama com a sua melhor amiga? Caia para o lado e quando acordar faça de conta que nada aconteceu. O seu chefe está num daqueles dias em que não o larga com coisas e mais coisinhas para fazer? Tenha um ataque de falta de ar e desfaleça. O seu marido insiste em ir ao futebol no dia em que os seus pais vêm para almoçar? Rebole no chão revirando vigorosamente os olhos e espume pela boca, que a coisa se resolverá com facilidade.

Sendo uma das instituições da cultura latina, pode-se afirmar que o chilique vistoso é assim também muito conveniente como solução milagrosa para todo e qualquer problema.

Apesar de separados por milénios de ciência, quer Hipócrates quer Freud atribuíram essa fascinante perturbação a uma mesma causa: a falta de utilização do útero. Por outras palavras, as senhoras histéricas encontrar-se-iam à beira de um ataque de nervos devido à falta de sexo ou, mais especificamente, por ainda não terem sido mães.

Sabemos bem que falta de sexo pode levar alguns a uma espécie de furor uterino, mesmo naqueles que nasceram sem tão útil órgão. Mas na verdade ainda hoje não compreendemos o fenómeno da conversão na sua totalidade, apesar de ser cada vez mais raro no mundo sexualmente liberto em que vivemos. De qualquer forma, ele induz um sofrimento que é bem real, mesmo que de origem psíquica e não física.

A boa notícia é que é uma perturbação tratável mesmo sem ser necessário recorrer a medicação. A terapêutica proposta? Uma boa de uma psicoterapia. Quanto ao sexo puro e duro, não sendo a solução, decerto que poderá ser um contributo simpático para o processo.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Mamilo Americano

No início de cada ano a nação mais potente do mundo pára para ver a bola. Em Fevereiro, no outro lado do Atlântico, ocorre o Super Bowl, equivalente da final da Taça dos Campeões, elevada à décima potência e condimentada com folclore Americano q.b. Em 2004, mais do que os resultados do jogo, o motivo de conversa nas semanas seguintes foi o que aconteceu no intervalo. Durante o tradicional espectáculo na pausa do jogo, num acto que tudo indica foi planeado, Justin Tinberlake puxou a camisola de Janet Jackson, expondo o seu negro seio.


Se tal tivesse ocorrido em países como Inglaterra ou França, o caso teria direito a muitas anedotas e alimentado a imprensa cor-de-rosa durante umas semanas. Nos EUA, o incidente que ficou conhecido como Nipplegate, deu direito a vários processos de tribunal e a qualquer coisa como meio milhão de queixas de espectadores, culminando com um pedido de desculpas da cantora que continuou a defender ter-se tudo tratado de um acidente.


Episódios como este não são novos nos EUA, não ao nível do significado real do evento (insignificante ou tão só patético), mas na reacção desproporcionada que provocam. A caça às bruxas de 1692 em Massachussetts, bem como a caça aos comunistas da década de 1950 são pequenos grandes exemplos de como banais circunstâncias se podem tornar em complexos fenómenos sociais e mediáticos na sociedade Americana. E tal ocorre, normalmente, à custa da racionalidade e também das liberdades mais fundamentais dos cidadãos. No caso Nipplegate, a liberdade de expressão foi, uma vez mais, coarctada. Numa de muitas consequências, desde 2004 que a emissão dos Óscares e dos Grammys é feita com um atraso de 10 minutos em relação ao tempo real. Assim, se alguém disser ou fizer algo que não deve, haverá sempre a possibilidade de aplicar a poderosa tesoura da censura.


Stanley Cohen, um sociólogo Sul-africano, desenvolveu o conceito de Pânico Moral, muito apropriado a esse tipo de situações. De acordo com o autor, pânicos morais ocorrem quando muitas pessoas reagem de forma desproporcionada a um evento, ou indivíduo(s), considerados ameaçadores à ordem social. Assim como o mamilo da Janet Jackson.


O mais bizarro, e motivo para desconfiar da natureza acidental do evento, é que o mamilo da mana Jackson nem sequer foi exposto, uma vez que estava estrategicamente coberto por uma peça de metal. Mas os pânicos morais são assim, cegos em relação aos mamilos escondidos, e prontos a encontrar bodes expiatórios que divergem a atenção de questões sociais de fundo. Se alguma coisa podemos aprender com os EUA, neste caso por oposição, é a tentar ter uma atitude mais reflexiva e menos histriónica a situações como o caso Casa Pia. É que todos ficamos a perder quando isso acontece.

 
 
Publicado na revista Pública de 26/10/2008

domingo, 31 de janeiro de 2010

Velhas gaiteiras e velhinhos tarados

Existe a ideia mais ou menos generalizada, quase tanto quanto é mantida em silêncio, de que quando se chega a uma certa idade, o sexo, tal como a pilha de uma lanterna, vai-se esgotando até acabar. A idade do confronto final, esse dia temido em que se arrumam as botas e as caixas de preservativos, não é muito precisa. Andará lá para a volta dos 65 anos, idade fatal em que a pessoa deixa de trabalhar e, aparentemente, de fazer outras coisas úteis à sociedade.


Nada mais longe da verdade.


Desde que nascemos até ao dia em que morremos que somos motivados a procurar e a saborear as sensações que os corpos, o nosso e os dos outros, podem proporcionar quando premidos os botões certos. Se alguma coisa a idade da reforma traz é mais tempo para aproveitar a manhã na cama, acompanhado e fazendo o que bem se entender. Tudo sem a preocupação de ter que ir a correr para o trabalho ou por as crianças na cresce.


Algo que intriga muita gente e que angustia muitos homens é: se os homens com a idade deixam de ter um pénis funcional, então como vão ter vida sexual? De uma vez por todas, que fique esclarecido: os homens podem ter erecções até com 100 anos! Podem demorar mais tempo e necessitar de mais estimulação para as conseguir. Elas poderão mesmo ser menos firmes do que as tinham com 85, mas não deixam de ser possíveis! Além disso, as erecções não são essenciais para o sexo. Existem inúmeras formas de passar sem elas muito bem. Basta ser criativo e ultrapassar a ideia de que sem coito, não há sexo.


Muitas vezes a sexualidade não se extingue, mas altera-se, bem como a forma de a encarar. “Verifico que a idade afecta o sexo muito pouco. Aproveito-o tanto ou mais do que quando era jovem. Demoro mais tempo a vir-me, mas isso é um prazer e não um problema”. Quem o diz é um entrevistado de Shere Hite, no famoso relatório sobre a sexualidade masculina. Idade: 70 anos.


Um dos problemas é que continuamos a considerar o envelhecimento como um limbo pouco interessante da existência e a colocar as pessoas idosas numa redoma assexuada que só lhes complica a vida.


Numa formação uma vez, uma professora disse-me que aceitava muito bem a sexualidade dos idosos. O exemplo que deu foi que ficava enternecida quando via dois velhinhos de mãos dadas ou a dar beijinhos na rua, como se de cachorros fofinhos se tratassem. A verdade veio ao de cima quando se falou de relações entre pessoas mais velhas e mais novas. Aí foi quando elas foram chamadas de “velhas gaiteiras” e eles de “velhinhos tarados”. Que tenham vida sexual sim, mas só entre si e de preferência de forma delicodoce. Tudo o resto é repreensível.


Um dia esta professora, bem como todos nós, acordará para verificar que ela também já é gaiteira ao olhar alheio. E então como vai ser?

Publicado na revista Pública a 03/08/2008

domingo, 24 de janeiro de 2010

O caderninho negro



Existem objectos assim. De forma mais ou menos obscura e sem que se dê por isso ganham fama no submundo das nossas vidas sexuais. Tornam-se quase místicos, envoltos numa aura de fascínio e de mistério que os tornam tão mais atraentes. Esse é o caso do caderninho negro. O tal em que se guardam os contactos das pessoas com quem, no passado ou no presente, se manteve algum tipo de envolvimento íntimo, envolvimento esse que poderá oscilar entre a paixão platónica e o mais escabroso e depravado relacionamento sexual. Mais das vezes, o último caso é o que se aplica.


É o caderninho que se guarda no fundo da gaveta, mesmo quando se está já numa relação séria e monogâmica, porque nunca se sabe. É o caderninho ao qual se acede quando as hormonas, por assim dizer, decidem dar um ar da sua graça, sem que ninguém lhes tivesse pedido que se pronunciassem. É o tal que se guarda religiosamente, mesmo quando já nenhuns dos contactos que contém se encontram actualizados. O caderno que acaba por ganhar valor sentimental, inclusive quando já não tem utilidade prática nenhuma, por ser um testemunho silencioso de glórias sexuais passadas ou porque sugere outras futuras.


O quase proverbial caderninho é um bom paradigma do que Anthony Giddens, sociólogo britânico, descreve sobre a transformação da intimidade nas sociedades modernas. É que, ao contrário do que acontecia no passado, em que as relações entre as pessoas eram determinadas pelas normas sociais e pelo que a família dizia e mandava sobre o assunto, hoje em dia são as pessoas elas próprias que querem, podem e mandam. Assim vão alegremente – ou por vezes nem por isso – levando avante a sua vida da forma que melhor consideram satisfatória, em particular no que respeita à sua experiência amorosa e sexual.


Giddens descreve, em jeito de exemplo, como cada vez mais as pessoas desenvolvem uniões e facto em vez de se casarem, uma vez que já não é o casamento o fim último da relação. Fala sobre como os adolescentes optam por ter relações sexuais com base no amor que sentem pelos namorados, e já não (tanto) em função do que os outros possam pensar. De como, quando o amor acaba, se vai em busca de um novo para preencher o lugar vago.


A vida íntima, com o tal caderno a servir de directório, é por excelência o terreno em que vamos construindo quem somos, em jeito de manta de retalhos, mesmo numa época em que os cadernos são cada vez mais virtuais, embutidos na memória dos telemóveis, em programas de correio electrónico ou nos “Preferidos” de sítios na Internet. À medida que vamos experimentando novas formas de nos relacionarmos com os outros, na cama, no sofá ou no café, também vamos percebendo melhor quem somos, descobrindo-nos à medida que descobrimos prazer com o alheio.


Publicado na revista Pública a 22/03/2009

domingo, 17 de janeiro de 2010

Intenções erectas

Muito antes de Masters e Johnson terem desenvolvido o seu famoso modelo da resposta sexual em quatro fases – excitação, plataforma, orgasmo e resolução – um outro senhor, de seu nome Havenlock Ellis, tinha já proposto um modelo bem mais simples. Resumia-se a duas fases: a tumescência e a detumescência. Assim esse senhor Inglês sintetizou a parte mais visível do que acontece no corpo humano quando sexualmente espicaçado. On ou off. Sim ou não. Para cima ou para baixo. Nada mais simples.

De facto, não há nada como uma boa erecção. Dá nas vistas, enche o olho e é sinal indiscutível de que se está pronto para a acção. Além disso, não apenas pénis tumescem. Clítoris e mamilos seguem-lhe o exemplo. Quando entusiasmados apontam o caminho a seguir: sempre em frente. Ou às vezes um bocadinho para baixo.

Também as vontades e os desejos são erécteis, mas esses não nos interessam aqui agora. Interessa sim que as erecções diversas de que o nosso corpo é capaz são uma das dádivas da natureza para o ser humano. Tornam óbvio o que sem elas poderia não o ser. Sem dizer palavra, gritam mensagens de indiscutível importância. Como que se está pronto para uma qualquer frenética actividade sexual. Sem mais.

Por vezes conseguem ser inconvenientes. Que o digam rapazes adolescentes que a qualquer solavanco do autocarro, e mesmo sem rapariguinha apetecível por perto, lá ficam a apontar para o infinito, por vezes de forma óbvia para os restantes transeuntes. É nessas ocasiões que um casaco comprido ou umas calças largueironas são o melhor amigo de um homem.

São inconvenientes também na praia, em que a abundância de corpos expostos favorece o pensamento libidinoso, com consequências óbvias e salientes por debaixo de curtos pedaços de Lycra. E são-no ainda para as senhoras que saem à rua sem soutien e que, por vezes, quase rasgam dois buraquitos na frente da sua justa camisola ou t-shirt. A culpa, claro, é sempre do frio, mesmo quando em pleno Verão.

Mulher conhecedora das potencialidades dos mamilos frescos, Marlene Dietrich colocava duas pérolas junto dos seus para os fazer parecer mais salientes. Um pequeno truque que decerto cumpria com os objectivos da diva. Os Romanos Antigos, por sua vez, utilizavam representações de pénis erectos ao pescoço como amuletos contra o mau-olhado e, quem sabe, contra o mau sexo também.

Mesmo que saibamos que tudo não passa de um efeito fisiológico banalíssimo, o da confluência de sangue para zonas estratégicas do corpo em momentos especiais, o fascínio pela erectilidade humana não tem fim. É que as tumescências contêm um certo quê de magia, semelhante à que brinquedos eléctricos tinham na nossa infância. E assim, mesmo como adultos, desde que se carreguem nos botões certos, todos podemos continuar a brincar.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Homens contra-natura

Bem-vindos ao ano de 5769. Na semana passada o calendário Judaico marcou a entrada neste novo ano que celebra mais um aniversário sobre a criação do Homem, ao Sexto Dia.


Judeus e Cristão modernos conceberão a ideia de Adão e sua costela feminina como uma bonita e alegórica história da inspiração divina do homem. Porém, muitos outros ainda acreditam que há quase seis milénios Deus, quase quase pronto para um bom descanso, terá tido a brilhante ideia de criar uma criatura mais ou menos à sua imagem.


As religiões sempre cumpriram uma importante função, nomeadamente a de fornecer explicações simplificadas do mundo. Porém, ao fazê-lo, regra geral excluíram outras alternativas. O conceito da criação divina do mundo deixou como legado a ideia de que existe uma certa ordem natural das coisas. Que a realidade é como é, porque Deus quer. Usando essa mesma lógica, há quem alegue que certas coisas são contra-natura.


A homossexualidade tem sido uma dessas coisas. Um dos argumentos sempre utilizado para remetê-la para o domínio do anormal, do patológico ou do moralmente repreensível, é essa ideia de que os homens foram naturalmente feitos para se relacionarem com mulheres e vice-versa. Que dois homens ou duas mulheres juntos num relacionamento são uma aberração aos olhos de uma qualquer divindade.


O problema com essa argumentação é que o Homem é das coisas menos naturais à face da terra. Para serem mesmo naturais, os homens nunca deviam fazer a barba e as mulheres deveriam deixar os pêlos das suas pernas crescer descontroladamente. Deveríamos andar a pé e não de carro e de preferência descalços, pois isso seria a coisa mais natural a fazer.


Na natureza, por seu lado, encontramos pinguins ‘gays’ na Nova Zelândia, macacos sexualmente polimorfos no Congo e golfinhos bissexuais por esses oceanos fora. Alguns desses animais contra-naturais estabelecem relações monogâmicas por toda uma vida, muito ao contrário da maioria dos humanos. Em que pé é que isso deixa o casamento, como natural ou anti-natura?


Até muito recentemente na história da humanidade, o casamento como a união da vontade de duas pessoas, não existia. Existiu sim durante muito tempo como a união de quatro vontades, as dos pais dos noivos, não tendo os próprios qualquer voto na matéria. Por isso, não deixa de ser irónico agora que, quando dois homens ou duas mulheres se querem casar, a Sociedade não os deixe, muitas vezes por considerar os seus desejos contrários à tal ordem natural das coisas. Porém, desde a trincadela da maçã primordial que o Homem não deixou de contrariar essa ordem. Argumentar que casamentos homossexuais não são aceitaveis é tão bacoco quanto defender que não deviamos usar telemóveis. Afinal, vivemos numa sociedade laica, certo?

Publicado na revista Pública em 12/10/2008

domingo, 3 de janeiro de 2010

Pecados e outras coisas pecaminosas

O nome deste meu novo blogue provocou algumas reacções interessantes. Tudo por causa da expressão “coisas pecaminosas”. Começo por esclarecer que não, não sou católico de forma alguma. Sou ateu de gema e sem vergonha. Também não considero o sexo como uma coisa pecaminosa. Penso que existem muitos motivos para não praticar sexo em situações específicas, mas nenhuma delas se refere à possibilidade de ir parar ao Inferno.



Apesar disso, a noção de pecado encontra-se tão enraizada na nossa cultura que é impossível passar-lhe ao lado. Penso, aliás, que ela nos dá imenso jeito. Ajuda-nos a perceber, sem perder muito tempo, quais são as coisas que nos dão prazer mas que devíamos evitar se realmente quiséssemos. Por algum motivo gula, inveja, preguiça, ira e as restantes, abundam neste nosso mundo.


Mas a luxúria é, sem dúvida, o pecado mais interessante e aquele que aqui mais nos interessa. Tem, porém, um problema: exactamente a que se refere tal pecado? A querer ter sexo? A gostar de ter sexo? A querer praticá-lo muitas vezes? A ter prazer com ele? É difícil perceber. E, por exemplo, as actividades sexuais que não envolvem os genitais, como por exemplo algumas práticas sadomasoquistas, continuam a ser pecado? E o sexo oral, que para algumas pessoas não é sexo, é pecado? E então um beijo de língua, assim, mais prolongado, também o é?


A ambiguidade inerente ao conceito de luxúria deixa-nos sem saber muito bem quando é que, aos olhos da Igreja Católica Apostólica Romana, estamos a incorrer na possibilidade de ir parar à tal estância muito bem aquecida e com gente que se portou mal durante a vida e que por lá se porta ainda pior.


Como a Igreja não pode opor-se ao sexo em si – sem ele não nos podemos multiplicar – fica essa ideia vaga de que tudo o que queiramos fazer e que envolva pessoas mais ou menos despidas e a brincar com as suas partes pudibundas é pecado.


E verdade é que essa noção do fruto proibido tem uma consequência. Há uma excitação acrescida quando pensamos estar a fazer uma coisa que não devíamos. A maçã do vizinho parece sempre mais vermelha e apetitosa do que a outra macilenta que temos na nossa cesta da fruta.


O pecado acaba por ser um ingrediente que torna mais excitante essa coisa já em si excitante do sexo. Por isso as pessoas continuam a ter relações sexuais sem usar preservativo, mesmo quando sabem estar em situações de risco. Por isso alguns homens gostam de vestir roupa interior feminina. Por isso também, muitas pessoas dão a clássica facada no casamento.


Não é por ser pecado. É por de alguma forma essas serem práticas não convencionais e que se encontram à margem de um certo padrão de normalidade, mais social do que estatístico. E que por esse motivo se tornam mais apetecíveis. É aí que mora o pecado de hoje.


Longe de indesejável, o pecado, essa noção do proibido-apetecido, é um condimento agridoce que utilizamos para dar algum sabor às nossas vidas. Perdeu o cheiro a enxofre que já teve em tempos e serve agora para dar um ar maroto aos nomes de iogurtes e de blogues. Entre outras coisas.