domingo, 14 de outubro de 2012

Nzinga, Rainha Angolana



Não muita gente ouviu falar de Nzinga Mbande. Porém, no seu tempo, muitas dores de cabeça esta rainha Angolana causou neste reino à beira mar plantado. Nzinga reinou na região de Ndongo no século XVII, numa época em que os Portugueses se entretinham com as lides pouco louváveis da escravatura, assim criando um dos primeiros mercados globais da história da humanidade.

Nzinga sucedeu ao irmão, morto em circunstâncias incertas, e durante os seus cerca de 40 anos de reinado, revelou-se uma soberba negociadora e governante, aliando-se a Portugueses, Holandeses e reinos vizinhos em função dos seus interesses e dos do seu povo. Conseguiu considerável controlo territorial enquanto reinou, controlo esse rapidamente perdido após a sua morte. Mulher inteligente, converteu-se ao catolicismo como forma de fortalecer um tratado de termos iguais estabelecido com Portugal. Foi então baptizada de Dona Ana de Sousa.

Apresentamos aqui Nzinga, primeiro porque nunca é demais valorizar figuras femininas poderosas da nossa História, que infelizmente não abundam. Depois porque, de acordo com algumas más-línguas, Nzinga terá levado uma vida de devassidão sexual sem paralelo.

Senão vejamos, Dona Ana alegadamente teria um vastíssimo harém constituído por homens que ela com regularidade mandava lutar até à morte. O prémio do vencedor seria passar uma noite com sua majestade, mas não por favoritismo, porque muitas vezes o pobre coitado era morto logo pela manhã. Quem sabe por a sua prestação não ter sido satisfatória. Além disso, como que para manter contagem de quantos já lá iam, guardava os genitais dos amantes, tendo assim constituído uma colecção sem par. Diz-se ainda que mandava vestir os seus criados homens com roupas de mulher e que, uma vez, ao ir para uma batalha, instruiu os seus guerreiros para que a chamassem de “meu rei”.

Com tais referências, não é de estranhar que Nzinga tenha sido mencionada pelo Marquês de Sade na sua obra “A Filosofia da Alcova”. Resta saber até que ponto essas alegações são verídicas. É que era rotineiro na época exagerar aquilo que à luz dos costumes Europeus era considerado bárbaro no comportamento de povos escravizados. Era uma forma de desumanizá-los e assim justificar a sua utilização como mercadoria, prática contra a qual Nzinga lutou ferozmente. Assim, era fácil para as mentalidades delicadas do burgo horrorizar-se com a vida íntima dos africanos, esquecendo-se que outras práticas não menos selvagens ocorriam por sua iniciativa, como é bom exemplo a própria da escravatura.

Independentemente do que Nzinga faria na intimidade do seu harém, o que ninguém lhe pode tirar é a coragem que teve em impor-se num mundo masculino e de lutar pelos seus súbditos. E é acima de tudo por isso que é importante recordá-la.

Publicado na revista Pública a 15/11/09

sábado, 9 de junho de 2012

Porque namoramos?





De todos os comportamentos de que o ser humano é capaz, a sedução, a corte e o namoro encontram-se decerto entre os mais bizarros. Afinal, se o fim é simples e mais ou menos anunciado – o sexo – porque desperdiçar tanto tempo e energia? Não seria mais fácil passar direto ao ato, sem nove-horas ou elaborados rituais de acasalamento?

Pois bem, parece que não. Apesar de estranho, o ato de namorar é um dos passatempos preferidos do bicho humano. São horas passadas de mão dada em conversas sobre tudo e sobre nada; são momentos de êxtase no quentinho da cama ou no refrescante chão da sala; são eternidades a fazer olhos de carneiro malmorto para aquelezinho especial, centro do nosso universo e motivo de suspiros repenicados.

Seres gregários que somos, gostamos de estar na companhia de outras pessoas. E não por acaso. Afinal, nascemos no seio de relações e sem elas não sobrevivemos. Mesmo. Não só as crianças nascem tão imaturas que, deixadas aos seus cuidados, não conseguiriam sobreviver, como é na relação com outras pessoas que se estabelece o gérmen e o substrato de tudo aquilo que irá ser a nossa vida psicológica e emocional.

Não admira, portanto, que seja em relações que encontramos a nossa felicidade, assim como muitas vezes a nossa miséria. É como se, para todo o sempre, procurássemos encontrar de novo o êxtase da relação perfeita, ou às vezes por lá próximo, que tivemos com quem cuidou de nós quando não éramos mais do que uma promessa de gente. Atiramo-nos e cabeça e deixamo-nos enredar na emoção, tão grande que não se controla e que nos deixa com os circuitos avariados. E com uma fome voraz de estar não importa onde, desde que na companhia da tal pessoa que não tem nada de especial, excepto que é a mais especial para nós.

O namoro é assim uma espécie de banquete. A única forma de controlar a fome da paixão, saciada na anulação do espaço físico entre os amantes. Existirá, afinal, coisa melhor?

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Chupões, para que vos quero



O chupão é um sinal indiscutível de recente atividade, amorosa ou outra. Carimbados para lá de qualquer dúvida, uns reagirão com horror, ponderando o suicídio como única alternativa à humilhação pública de que certamente serão alvo, enquanto que outros exibirão com orgulho a sua marca às massas. Mas nem todos terão a descontracção da defunta Winehouse que, em pleno concerto em Lisboa há uns anos atrás, exibia uma marca no pescoço que não terá sido lá colocada pelo marido, então a cumprir pena de prisão algures em terras de sua majestade.

O dilema provocado por um chupão é sem dúvida mais marcante no pino do Verão, em que os 35 graus de temperatura irão ser causa de morte certa por desidratação, caso se opte por usar gola alta ou cachecol para ocultar a evidência. A alternativa é expor o pescoço em toda a sua glória, tornando óbvia a recente lícita ou ilícita atividade.

Por muito que algumas pessoas insistam no romantismo de tal ato, aquilo que ocorre quando alguém coloca um beijo bem repuxado no corpo de alguém não tem nada de lírico. Dá-se a ruptura dos vasos sanguíneos sob a pele da vítima, provocando a característica marca roxa, tecnicamente um hematoma, que pode demorar entre quatro e doze dias a desaparecer, dependendo do tipo de pele da pessoa.

Presume-se que para alguns se trate de uma espécie de marca territorial. Uma mensagem ao jeito de “Mariana esteve aqui” ou “Propriedade de Joaquim”, proporcionando, a quem marca, um orgulho retorcido por ser dono e senhor de outra criatura, ainda que por uns breves dias apenas. Por sua vez os marcados, ao olharem-se ao espelho sentirão, talvez, um calor no coração e pensarão “Ele realmente gosta de mim” ou “Ela é mesmo uma grande tarada”. Ele há gente para tudo.

Para evitar problemas, nada como usar de alguma etiqueta e bom senso, também em tal descabido ato. Os chupões em zonas escondidas, como seios, costas ou nádegas, podem ser colocados à discrição do perpetrador, sem para tal precisar de autorização. Aqueles plantados em zonas semi-escondidas, como na base do pescoço ou nos braços, poderão ser realizados com permissão implícita do seu recipiente. A ausência de uma sapatada no decorrer do repenico será sinal suficiente de aprovação. Para áreas expostas, como as zonas altas do pescoço ou a testa, deverão apenas e em exclusivo os chupões ser depositados com permissão explícita ou quando se conhece a pessoa suficientemente bem para saber que a marca não irá levar ao seu despedimento ou, pior ainda, ao final da relação.

Se, por sua vez, identificar uma marca suspeita no pescoço de alguém, por favor evite apontar com o dedo e rir alarvemente na cara da pessoa. Afinal, a inveja é uma coisa muito feia. 

Publicado na revista Pública a 17/05/2009

sexta-feira, 23 de março de 2012

Para que serve o sexo?



O sexo é um bicho muito estranho. Leva-nos a fazer coisas para lá do razoável. Coisas que não faríamos se estivéssemos no nosso estado normal, mesmo quando estamos no nosso estado normal. Pode provocar-nos arrepios na espinha e suores frios em pleno Verão, calores imprevistos no pino do Inverno, e tremores incontroláveis em qualquer altura do ano. Ainda assim, não deixamos de o fazer. 

Antes pelo contrário, continuamos a fazê-lo exactamente porque nos causa essas e outras reações peculiares. Em suma, é algo que mexe connosco e que não compreendemos muito bem, e muito menos para que serve. Até porque existem diversas opiniões e respostas possíveis para essa premente pergunta: “Mas afinal, para que serve essa coisa do sexo?”.

Para os hedonistas serve para nos dar prazer; é mais uma forma de satisfação, entre muitas outras que o mundo nos proporciona. Para os Católicos serve o estrito propósito de fazer bebés, sendo que deverá ocorrer apenas no seio de uma relação abençoada pelo matrimónio. Para os evolucionistas tem o objetivo de permitir a continuidade da espécie. Para os Tântricos é uma forma de atingir um estado elevado de espiritualidade e transcendência. Para os pragmáticos é uma parte da vida, e pronto.

A verdade é que, ao mesmo tempo, todos têm razão e ninguém a tem. Se de facto sem sexo não seria possível a dita continuidade da espécie, verdade é também que há muito que o sexo se autonomizou das lides da reprodução. A história da contracepção é tão velha quanto a humanidade e, pelo menos desde a invenção da pílula, que deixámos realmente que ter que nos preocupar com essa coisa, por vezes incómoda, de ter filhos.

E se essa necessidade de controlar a natalidade nos diz algo, é que a grande maioria das vezes que as pessoas têm sexo não o fazem porque querem ter bebés, mas por uma qualquer outra razão.

Ainda que nem sempre tenha sido assim, hoje em dia o sexo é uma dimensão instrumental para a maioria das pessoas. Cada um vai lá buscar uma coisa diferente em função dos seus interesses e necessidades. Até porque, se realmente se descobrisse para que serve, perderia metade do interesse. É que há coisas em que a ignorância é de fato uma bênção.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Senhores de anéis



Se toda a gente conhece Barbie, a boneca da cintura maravilha, não menos conhecido é Ken, seu namorado de há 50 anos. Ken foi criado para responder à necessidade que Miss B. tinha de ter um companheiro. Certo é, porém, que ao longo da sua atribulada relação, o rapaz sempre foi considerado dispensável. É que Ken nunca teve tanta saída quanto a sua famosa namorada. Por isso, volta e meia, foi posto na prateleira.

No entanto, em 1993, Ken teve um inesperado momento de glória. Numa tentativa de modernizar o moço, a Mattel lançou o Earring Magic Ken. Ter um brinco e um colete de cabedal púrpura foram apenas dois dos motivos que tornaram essa edição de Ken popular junto da comunidade gay. O outro foi o facto dele ter ao pescoço o que muito boa gente podia jurar ser um cock-ring. Assim, apesar do esmagador sucesso de vendas, a Mattel apressou-se a retirar esse modelo do rapaz das lojas.

Para os sexualmente distraídos, um cock-ring, que numa tradução conservadora será um “anel de pénis”, como o nome indica é um aro que se coloca em torno do dito. Pode ser feito dos mais diversos materiais, da borracha ao metal, sendo que um dos mais antigos que se conhece data do século XIII e é feito de pestanas de cabra, infeliz animal! Mas existem tantos tipos de cock-rings quantas as cores do arco-íris, incluindo os vibratórios. São, regra geral, colocados na base do pénis, após cuidadosamente passar um testículo de cada vez para o seu interior e, por último, o pénis ainda flácido.

Ensina-nos o estudo da anatomia peniana que o sangue aflui ao masculino órgão pelo seu interior e que tem a sua via de escape pelos vasos sanguíneos da superfície. Apertando-se a sua base facilita-se e prolonga-se uma desejada ereção. Por esse motivo, os cock-rings têm fama de ser usados apenas por cavalheiros que necessitam de algum incentivo para manter os seus ânimos erectos. No entanto, muitos homens utilizam-no para aumentar a sensibilidade e o prazer durante o ato. Acabe-se, portanto, com a discriminação contra tão versátil acessório.

Os cock-rings não devem ser utilizados por mais de 20 minutos de cada vez ou menos se surgir desconforto. Afinal está-se a evitar a circulação de sangue no pénis. Alguns têm abertura fácil para libertar o bicho caso ele comece a ficar roxo. Os de metal deverão ser utilizados apenas por homens bem experienciados na matéria por ser mais difícil a sua remoção. O bom senso deverá prevalecer, aqui como em tudo.

Não sabemos se, antes de ter sido mais uma vez dispensado, o Ken da argola mágica teve redobrado prazer devido ao seu peculiar pendente nos momentos, presumem-se raros, de intimidade com a sua namorada on-again-off-again. Porém, para um rapaz que aos 50 anos continua a não ter pénis, isso é improvável. Entretanto, para os não castrados, os cock-rings são brinquedos que podem contribuir para uma sexualidade mais simpática. Afinal, não apenas as mulheres têm direito a usar adornos.

Originalmente publicado na revista Pública de 12/07/2009

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

2012 Odisseia sexual




De acordo com a socióloga e activista norte-americana Gayle Rubin, apenas uma prática sexual foi inventada no século XX. E mesmo essa já na ida década de 1930 – o eroticismo braquiopróctico (também conhecido como fisting ou fist fucking, a inserção do punho e parte do braço no ânus). Tudo o resto já tinha sido descrito, e certamente praticado, por gente extravagante como Sade, Sacher-Mashoch, para não falar dos loucos Romanos antigos.

Talvez para choque de muitos, o sexo efectivamente não mudou muito em milhares de anos. Toda a gente continua a fornicar como sempre fornicou, mais orgasmo menos orgasmo, mais orifício menos orifício.

Assim sendo, o que podemos esperar que mude em cinco anos? Se é improvável que se inventem novas práticas, o que poderá mudar são os contextos associados ao sexo. E aí não devemos menosprezar o impacto da tecnologia. De facto, algo que os Romanos antigos não faziam era marcar encontros com estranhos através da Internet. O célebre Marquês nunca terá sido confrontado com uma parceira que lhe tenha pedido os resultados do seu último teste para o VIH. E, por muito que algumas raparigas possam ter tentado, é improvável que tenham conseguido provar para lá de qualquer dúvida que Giacomo Casanova era o pai do seu bebé.

Então que novas tecnologias poderão estar disponíveis em cinco anos? Face à incerteza de que a miraculosa vacina para o VIH venha a surgir, mais provável é que outras estratégias preventivas sejam disponibilizadas. Algumas das que se encontram em ensaios clínicos são a profilaxia pré-exposição ou PPrE e os microbicidas. A PPrE é uma espécie de pílula contraceptiva, mas aplicada à prevenção do VIH. Poderá ser utilizada por quem pensa estar frequentemente em risco de contrair o VIH e será tomada de forma mais ou menos contínua para prevenir a infecção.

O problema é que a sua eficácia será, na melhor das hipóteses, de cerca de 70% e a comunidade científica já está em alvoroço perante a possibilidade das pessoas começarem a fazer amor, por assim dizer, descontroladamente. Os microbicidas levantam questões semelhantes. Tratam-se de géis ou espumas que se colocam na vagina ou ânus e que criam uma barreira química que destrói o vírus durante uma relação sexual desprotegida.

É também possível que em breve os testes caseiros para o VIH surjam à venda nas farmácias. Mesmo que contra-indicado, é provável que muita gente os utilize para avaliar, no último minuto, se irão ou não ter sexo desprotegido com o parceiro que acabaram de conhecer na Internet ou noutro canto obscuro qualquer.

Muitos mais brinquedos decerto nos ajudarão a ter uma vida sexual mais feliz, segura e, espera-se, satisfatória. Muitos desses levantarão novas questões, morais e moralistas, sociais e sociológicas. Mas tal como o sexo, essa é outra realidade que não se alterou ao longo dos milénios. 

Artigo futurista publicado na revista Pública dedicada ao ano de 2012 em 28/12/2008