domingo, 31 de janeiro de 2010

Velhas gaiteiras e velhinhos tarados

Existe a ideia mais ou menos generalizada, quase tanto quanto é mantida em silêncio, de que quando se chega a uma certa idade, o sexo, tal como a pilha de uma lanterna, vai-se esgotando até acabar. A idade do confronto final, esse dia temido em que se arrumam as botas e as caixas de preservativos, não é muito precisa. Andará lá para a volta dos 65 anos, idade fatal em que a pessoa deixa de trabalhar e, aparentemente, de fazer outras coisas úteis à sociedade.


Nada mais longe da verdade.


Desde que nascemos até ao dia em que morremos que somos motivados a procurar e a saborear as sensações que os corpos, o nosso e os dos outros, podem proporcionar quando premidos os botões certos. Se alguma coisa a idade da reforma traz é mais tempo para aproveitar a manhã na cama, acompanhado e fazendo o que bem se entender. Tudo sem a preocupação de ter que ir a correr para o trabalho ou por as crianças na cresce.


Algo que intriga muita gente e que angustia muitos homens é: se os homens com a idade deixam de ter um pénis funcional, então como vão ter vida sexual? De uma vez por todas, que fique esclarecido: os homens podem ter erecções até com 100 anos! Podem demorar mais tempo e necessitar de mais estimulação para as conseguir. Elas poderão mesmo ser menos firmes do que as tinham com 85, mas não deixam de ser possíveis! Além disso, as erecções não são essenciais para o sexo. Existem inúmeras formas de passar sem elas muito bem. Basta ser criativo e ultrapassar a ideia de que sem coito, não há sexo.


Muitas vezes a sexualidade não se extingue, mas altera-se, bem como a forma de a encarar. “Verifico que a idade afecta o sexo muito pouco. Aproveito-o tanto ou mais do que quando era jovem. Demoro mais tempo a vir-me, mas isso é um prazer e não um problema”. Quem o diz é um entrevistado de Shere Hite, no famoso relatório sobre a sexualidade masculina. Idade: 70 anos.


Um dos problemas é que continuamos a considerar o envelhecimento como um limbo pouco interessante da existência e a colocar as pessoas idosas numa redoma assexuada que só lhes complica a vida.


Numa formação uma vez, uma professora disse-me que aceitava muito bem a sexualidade dos idosos. O exemplo que deu foi que ficava enternecida quando via dois velhinhos de mãos dadas ou a dar beijinhos na rua, como se de cachorros fofinhos se tratassem. A verdade veio ao de cima quando se falou de relações entre pessoas mais velhas e mais novas. Aí foi quando elas foram chamadas de “velhas gaiteiras” e eles de “velhinhos tarados”. Que tenham vida sexual sim, mas só entre si e de preferência de forma delicodoce. Tudo o resto é repreensível.


Um dia esta professora, bem como todos nós, acordará para verificar que ela também já é gaiteira ao olhar alheio. E então como vai ser?

Publicado na revista Pública a 03/08/2008

domingo, 24 de janeiro de 2010

O caderninho negro



Existem objectos assim. De forma mais ou menos obscura e sem que se dê por isso ganham fama no submundo das nossas vidas sexuais. Tornam-se quase místicos, envoltos numa aura de fascínio e de mistério que os tornam tão mais atraentes. Esse é o caso do caderninho negro. O tal em que se guardam os contactos das pessoas com quem, no passado ou no presente, se manteve algum tipo de envolvimento íntimo, envolvimento esse que poderá oscilar entre a paixão platónica e o mais escabroso e depravado relacionamento sexual. Mais das vezes, o último caso é o que se aplica.


É o caderninho que se guarda no fundo da gaveta, mesmo quando se está já numa relação séria e monogâmica, porque nunca se sabe. É o caderninho ao qual se acede quando as hormonas, por assim dizer, decidem dar um ar da sua graça, sem que ninguém lhes tivesse pedido que se pronunciassem. É o tal que se guarda religiosamente, mesmo quando já nenhuns dos contactos que contém se encontram actualizados. O caderno que acaba por ganhar valor sentimental, inclusive quando já não tem utilidade prática nenhuma, por ser um testemunho silencioso de glórias sexuais passadas ou porque sugere outras futuras.


O quase proverbial caderninho é um bom paradigma do que Anthony Giddens, sociólogo britânico, descreve sobre a transformação da intimidade nas sociedades modernas. É que, ao contrário do que acontecia no passado, em que as relações entre as pessoas eram determinadas pelas normas sociais e pelo que a família dizia e mandava sobre o assunto, hoje em dia são as pessoas elas próprias que querem, podem e mandam. Assim vão alegremente – ou por vezes nem por isso – levando avante a sua vida da forma que melhor consideram satisfatória, em particular no que respeita à sua experiência amorosa e sexual.


Giddens descreve, em jeito de exemplo, como cada vez mais as pessoas desenvolvem uniões e facto em vez de se casarem, uma vez que já não é o casamento o fim último da relação. Fala sobre como os adolescentes optam por ter relações sexuais com base no amor que sentem pelos namorados, e já não (tanto) em função do que os outros possam pensar. De como, quando o amor acaba, se vai em busca de um novo para preencher o lugar vago.


A vida íntima, com o tal caderno a servir de directório, é por excelência o terreno em que vamos construindo quem somos, em jeito de manta de retalhos, mesmo numa época em que os cadernos são cada vez mais virtuais, embutidos na memória dos telemóveis, em programas de correio electrónico ou nos “Preferidos” de sítios na Internet. À medida que vamos experimentando novas formas de nos relacionarmos com os outros, na cama, no sofá ou no café, também vamos percebendo melhor quem somos, descobrindo-nos à medida que descobrimos prazer com o alheio.


Publicado na revista Pública a 22/03/2009

domingo, 17 de janeiro de 2010

Intenções erectas

Muito antes de Masters e Johnson terem desenvolvido o seu famoso modelo da resposta sexual em quatro fases – excitação, plataforma, orgasmo e resolução – um outro senhor, de seu nome Havenlock Ellis, tinha já proposto um modelo bem mais simples. Resumia-se a duas fases: a tumescência e a detumescência. Assim esse senhor Inglês sintetizou a parte mais visível do que acontece no corpo humano quando sexualmente espicaçado. On ou off. Sim ou não. Para cima ou para baixo. Nada mais simples.

De facto, não há nada como uma boa erecção. Dá nas vistas, enche o olho e é sinal indiscutível de que se está pronto para a acção. Além disso, não apenas pénis tumescem. Clítoris e mamilos seguem-lhe o exemplo. Quando entusiasmados apontam o caminho a seguir: sempre em frente. Ou às vezes um bocadinho para baixo.

Também as vontades e os desejos são erécteis, mas esses não nos interessam aqui agora. Interessa sim que as erecções diversas de que o nosso corpo é capaz são uma das dádivas da natureza para o ser humano. Tornam óbvio o que sem elas poderia não o ser. Sem dizer palavra, gritam mensagens de indiscutível importância. Como que se está pronto para uma qualquer frenética actividade sexual. Sem mais.

Por vezes conseguem ser inconvenientes. Que o digam rapazes adolescentes que a qualquer solavanco do autocarro, e mesmo sem rapariguinha apetecível por perto, lá ficam a apontar para o infinito, por vezes de forma óbvia para os restantes transeuntes. É nessas ocasiões que um casaco comprido ou umas calças largueironas são o melhor amigo de um homem.

São inconvenientes também na praia, em que a abundância de corpos expostos favorece o pensamento libidinoso, com consequências óbvias e salientes por debaixo de curtos pedaços de Lycra. E são-no ainda para as senhoras que saem à rua sem soutien e que, por vezes, quase rasgam dois buraquitos na frente da sua justa camisola ou t-shirt. A culpa, claro, é sempre do frio, mesmo quando em pleno Verão.

Mulher conhecedora das potencialidades dos mamilos frescos, Marlene Dietrich colocava duas pérolas junto dos seus para os fazer parecer mais salientes. Um pequeno truque que decerto cumpria com os objectivos da diva. Os Romanos Antigos, por sua vez, utilizavam representações de pénis erectos ao pescoço como amuletos contra o mau-olhado e, quem sabe, contra o mau sexo também.

Mesmo que saibamos que tudo não passa de um efeito fisiológico banalíssimo, o da confluência de sangue para zonas estratégicas do corpo em momentos especiais, o fascínio pela erectilidade humana não tem fim. É que as tumescências contêm um certo quê de magia, semelhante à que brinquedos eléctricos tinham na nossa infância. E assim, mesmo como adultos, desde que se carreguem nos botões certos, todos podemos continuar a brincar.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Homens contra-natura

Bem-vindos ao ano de 5769. Na semana passada o calendário Judaico marcou a entrada neste novo ano que celebra mais um aniversário sobre a criação do Homem, ao Sexto Dia.


Judeus e Cristão modernos conceberão a ideia de Adão e sua costela feminina como uma bonita e alegórica história da inspiração divina do homem. Porém, muitos outros ainda acreditam que há quase seis milénios Deus, quase quase pronto para um bom descanso, terá tido a brilhante ideia de criar uma criatura mais ou menos à sua imagem.


As religiões sempre cumpriram uma importante função, nomeadamente a de fornecer explicações simplificadas do mundo. Porém, ao fazê-lo, regra geral excluíram outras alternativas. O conceito da criação divina do mundo deixou como legado a ideia de que existe uma certa ordem natural das coisas. Que a realidade é como é, porque Deus quer. Usando essa mesma lógica, há quem alegue que certas coisas são contra-natura.


A homossexualidade tem sido uma dessas coisas. Um dos argumentos sempre utilizado para remetê-la para o domínio do anormal, do patológico ou do moralmente repreensível, é essa ideia de que os homens foram naturalmente feitos para se relacionarem com mulheres e vice-versa. Que dois homens ou duas mulheres juntos num relacionamento são uma aberração aos olhos de uma qualquer divindade.


O problema com essa argumentação é que o Homem é das coisas menos naturais à face da terra. Para serem mesmo naturais, os homens nunca deviam fazer a barba e as mulheres deveriam deixar os pêlos das suas pernas crescer descontroladamente. Deveríamos andar a pé e não de carro e de preferência descalços, pois isso seria a coisa mais natural a fazer.


Na natureza, por seu lado, encontramos pinguins ‘gays’ na Nova Zelândia, macacos sexualmente polimorfos no Congo e golfinhos bissexuais por esses oceanos fora. Alguns desses animais contra-naturais estabelecem relações monogâmicas por toda uma vida, muito ao contrário da maioria dos humanos. Em que pé é que isso deixa o casamento, como natural ou anti-natura?


Até muito recentemente na história da humanidade, o casamento como a união da vontade de duas pessoas, não existia. Existiu sim durante muito tempo como a união de quatro vontades, as dos pais dos noivos, não tendo os próprios qualquer voto na matéria. Por isso, não deixa de ser irónico agora que, quando dois homens ou duas mulheres se querem casar, a Sociedade não os deixe, muitas vezes por considerar os seus desejos contrários à tal ordem natural das coisas. Porém, desde a trincadela da maçã primordial que o Homem não deixou de contrariar essa ordem. Argumentar que casamentos homossexuais não são aceitaveis é tão bacoco quanto defender que não deviamos usar telemóveis. Afinal, vivemos numa sociedade laica, certo?

Publicado na revista Pública em 12/10/2008

domingo, 3 de janeiro de 2010

Pecados e outras coisas pecaminosas

O nome deste meu novo blogue provocou algumas reacções interessantes. Tudo por causa da expressão “coisas pecaminosas”. Começo por esclarecer que não, não sou católico de forma alguma. Sou ateu de gema e sem vergonha. Também não considero o sexo como uma coisa pecaminosa. Penso que existem muitos motivos para não praticar sexo em situações específicas, mas nenhuma delas se refere à possibilidade de ir parar ao Inferno.



Apesar disso, a noção de pecado encontra-se tão enraizada na nossa cultura que é impossível passar-lhe ao lado. Penso, aliás, que ela nos dá imenso jeito. Ajuda-nos a perceber, sem perder muito tempo, quais são as coisas que nos dão prazer mas que devíamos evitar se realmente quiséssemos. Por algum motivo gula, inveja, preguiça, ira e as restantes, abundam neste nosso mundo.


Mas a luxúria é, sem dúvida, o pecado mais interessante e aquele que aqui mais nos interessa. Tem, porém, um problema: exactamente a que se refere tal pecado? A querer ter sexo? A gostar de ter sexo? A querer praticá-lo muitas vezes? A ter prazer com ele? É difícil perceber. E, por exemplo, as actividades sexuais que não envolvem os genitais, como por exemplo algumas práticas sadomasoquistas, continuam a ser pecado? E o sexo oral, que para algumas pessoas não é sexo, é pecado? E então um beijo de língua, assim, mais prolongado, também o é?


A ambiguidade inerente ao conceito de luxúria deixa-nos sem saber muito bem quando é que, aos olhos da Igreja Católica Apostólica Romana, estamos a incorrer na possibilidade de ir parar à tal estância muito bem aquecida e com gente que se portou mal durante a vida e que por lá se porta ainda pior.


Como a Igreja não pode opor-se ao sexo em si – sem ele não nos podemos multiplicar – fica essa ideia vaga de que tudo o que queiramos fazer e que envolva pessoas mais ou menos despidas e a brincar com as suas partes pudibundas é pecado.


E verdade é que essa noção do fruto proibido tem uma consequência. Há uma excitação acrescida quando pensamos estar a fazer uma coisa que não devíamos. A maçã do vizinho parece sempre mais vermelha e apetitosa do que a outra macilenta que temos na nossa cesta da fruta.


O pecado acaba por ser um ingrediente que torna mais excitante essa coisa já em si excitante do sexo. Por isso as pessoas continuam a ter relações sexuais sem usar preservativo, mesmo quando sabem estar em situações de risco. Por isso alguns homens gostam de vestir roupa interior feminina. Por isso também, muitas pessoas dão a clássica facada no casamento.


Não é por ser pecado. É por de alguma forma essas serem práticas não convencionais e que se encontram à margem de um certo padrão de normalidade, mais social do que estatístico. E que por esse motivo se tornam mais apetecíveis. É aí que mora o pecado de hoje.


Longe de indesejável, o pecado, essa noção do proibido-apetecido, é um condimento agridoce que utilizamos para dar algum sabor às nossas vidas. Perdeu o cheiro a enxofre que já teve em tempos e serve agora para dar um ar maroto aos nomes de iogurtes e de blogues. Entre outras coisas.