segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Mamilo Americano

No início de cada ano a nação mais potente do mundo pára para ver a bola. Em Fevereiro, no outro lado do Atlântico, ocorre o Super Bowl, equivalente da final da Taça dos Campeões, elevada à décima potência e condimentada com folclore Americano q.b. Em 2004, mais do que os resultados do jogo, o motivo de conversa nas semanas seguintes foi o que aconteceu no intervalo. Durante o tradicional espectáculo na pausa do jogo, num acto que tudo indica foi planeado, Justin Tinberlake puxou a camisola de Janet Jackson, expondo o seu negro seio.


Se tal tivesse ocorrido em países como Inglaterra ou França, o caso teria direito a muitas anedotas e alimentado a imprensa cor-de-rosa durante umas semanas. Nos EUA, o incidente que ficou conhecido como Nipplegate, deu direito a vários processos de tribunal e a qualquer coisa como meio milhão de queixas de espectadores, culminando com um pedido de desculpas da cantora que continuou a defender ter-se tudo tratado de um acidente.


Episódios como este não são novos nos EUA, não ao nível do significado real do evento (insignificante ou tão só patético), mas na reacção desproporcionada que provocam. A caça às bruxas de 1692 em Massachussetts, bem como a caça aos comunistas da década de 1950 são pequenos grandes exemplos de como banais circunstâncias se podem tornar em complexos fenómenos sociais e mediáticos na sociedade Americana. E tal ocorre, normalmente, à custa da racionalidade e também das liberdades mais fundamentais dos cidadãos. No caso Nipplegate, a liberdade de expressão foi, uma vez mais, coarctada. Numa de muitas consequências, desde 2004 que a emissão dos Óscares e dos Grammys é feita com um atraso de 10 minutos em relação ao tempo real. Assim, se alguém disser ou fizer algo que não deve, haverá sempre a possibilidade de aplicar a poderosa tesoura da censura.


Stanley Cohen, um sociólogo Sul-africano, desenvolveu o conceito de Pânico Moral, muito apropriado a esse tipo de situações. De acordo com o autor, pânicos morais ocorrem quando muitas pessoas reagem de forma desproporcionada a um evento, ou indivíduo(s), considerados ameaçadores à ordem social. Assim como o mamilo da Janet Jackson.


O mais bizarro, e motivo para desconfiar da natureza acidental do evento, é que o mamilo da mana Jackson nem sequer foi exposto, uma vez que estava estrategicamente coberto por uma peça de metal. Mas os pânicos morais são assim, cegos em relação aos mamilos escondidos, e prontos a encontrar bodes expiatórios que divergem a atenção de questões sociais de fundo. Se alguma coisa podemos aprender com os EUA, neste caso por oposição, é a tentar ter uma atitude mais reflexiva e menos histriónica a situações como o caso Casa Pia. É que todos ficamos a perder quando isso acontece.

 
 
Publicado na revista Pública de 26/10/2008

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