terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Furor uterino



Na Grécia Antiga, bem antes das peripécias das senhoras desesperadas de Wysteria Lane, já várias mulheres eram acometidas daquilo a que hoje alguns chamariam de ataque de nervos. Estrebuchavam, tinham falta de ar e eventualmente desmaiavam sem mais nem ontem. Hipócrates, pai espiritual de médicos e psicólogos da actualidade, foi dos primeiros a tentar explicar tais espalhafatosos fenómenos.

Para ele, a causa do problema dessas senhoras seria o respectivo útero. Qual animal selvagem, esse órgão despregar-se-ia do seu local habitual, começando a subir corpo acima, provocando falta de ar e as palpitações típicas de tais manifestações. Por fim, causava o desfalecimento das coitadas, esgotadas com tanta agitação interna. O nome que ele deu a tal perturbação: Histeria.

Hoje em dia sabemos que nada de especificamente orgânico causa a histeria. Muito menos úteros enraivecidos a passearem pelo corpo das senhoras suas vítimas. Até porque homens, conhecidos por não terem úteros, também podem por vezes encontrar-se à beira de ataques de nervos desse tipo.

Mais sabemos que a causa de tais perturbações, hoje classificadas em respeitáveis manuais de psiquiatria como Perturbações de Conversão, é puramente psíquica e, de acordo com o senhor Freud e companhia, têm origem sexual infantil. Produtos de uma energia sexual mal contida, os sintomas físicos dessa perturbação traduzirão um sofrimento emocional e de alguma forma simbolizam os problemas que estiveram na origem do problema.

Mas sem querer entrar em detalhes técnicos aborrecidos, importa referir que o fanico histérico tem com frequência um componente de ganho secundário. Significa isso que tais ataques muitas vezes surgem como resposta a situações desconfortáveis ou embaraçosas para a criatura em causa.

Chegou cedo a casa e deu de caras com o seu marido na cama com a sua melhor amiga? Caia para o lado e quando acordar faça de conta que nada aconteceu. O seu chefe está num daqueles dias em que não o larga com coisas e mais coisinhas para fazer? Tenha um ataque de falta de ar e desfaleça. O seu marido insiste em ir ao futebol no dia em que os seus pais vêm para almoçar? Rebole no chão revirando vigorosamente os olhos e espume pela boca, que a coisa se resolverá com facilidade.

Sendo uma das instituições da cultura latina, pode-se afirmar que o chilique vistoso é assim também muito conveniente como solução milagrosa para todo e qualquer problema.

Apesar de separados por milénios de ciência, quer Hipócrates quer Freud atribuíram essa fascinante perturbação a uma mesma causa: a falta de utilização do útero. Por outras palavras, as senhoras histéricas encontrar-se-iam à beira de um ataque de nervos devido à falta de sexo ou, mais especificamente, por ainda não terem sido mães.

Sabemos bem que falta de sexo pode levar alguns a uma espécie de furor uterino, mesmo naqueles que nasceram sem tão útil órgão. Mas na verdade ainda hoje não compreendemos o fenómeno da conversão na sua totalidade, apesar de ser cada vez mais raro no mundo sexualmente liberto em que vivemos. De qualquer forma, ele induz um sofrimento que é bem real, mesmo que de origem psíquica e não física.

A boa notícia é que é uma perturbação tratável mesmo sem ser necessário recorrer a medicação. A terapêutica proposta? Uma boa de uma psicoterapia. Quanto ao sexo puro e duro, não sendo a solução, decerto que poderá ser um contributo simpático para o processo.

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