domingo, 7 de março de 2010

De espermatozóides e de homens

É muito comum reduzir-se a sexualidade masculina a um interruptor com duas posições: on e off. Por muito reducionista que esse modelo possa ser, facto é que ele acaba por ser muitas das vezes a mais pura verdade. E não porque os homens são criaturas robustas mas, coitadas, simples. Antes, resultado da tradição falocêntrica da nossa cultura, muitos homens continuam ainda hoje a ser um reflexo, pálido, mas actual, do macho latino de antanho. Bicho esse que, para bem dos nossos pecados, cada vez mais se encontra fora de moda.


Uma das ideias que ainda se encontra colada ao homem moderno como um autocolante à sola de um sapato, é a do avassalador e incontrolável desejo sexual masculino. Enquanto que das mulheres sempre se esperou uma certa passividade virginal, desapegadas como deveriam ser dos desejos carnais, dos homens sempre se esperou que agissem em conformidade com os seus impulsos animalescos. Um exemplo disso é a ideia de que se um homem não tiver oportunidade de ter relações sexuais, os seus fluidos irão avultar e tomar conta dele.


É importante esclarecer que, de facto, a partir da puberdade e até à morte, desde que não hajam acidentes testiculares pelo meio, os homens irão continuamente produzir espermatozóides. Muitos espermatozóides. A todas as horas do dia e da noite. À média de vários milhões de espermatozóides por hora.


Antes do leitor lançar as mãos à cabeça e ir a correr para a casa de banho para aliviar a pressão populacional lá em baixo, não vão eles de facto começar a ter ideias de migrar até à cabeça e invadir o cérebro com ideias libidinosas ou, sabe-se lá, começar a sair pelos ouvidos, convém explicar algumas coisas. É que os pobres bichinhos, como todas as criaturas neste mundo, têm o seu tempo de vida, que é relativamente limitado. Antes que tenham tempo de organizar um êxodo em massa para paragens menos próprias, se não forem libertados por vias naturais eles acabam por perecer e por ser reabsorvidos pelo organismo. Como já dizia Lavoisier, nada se perde, tudo se transforma.


A ideia de que os depósitos espermáticos dos homens se vão enchendo e que, eventualmente terão que ser despejados, traduz um conceito de sexualidade masculina muito básico. Vê o homem como uma vítima dos seus próprios mecanismos biológicos, além de servir como uma óptima desculpa para uma procura mais ou menos constante de sexo.


Os homens, tal como as mulheres, não têm que ter relações sexuais. Caso contrário, aqueles que, por escolha ou circunstância, acabam por não dar vazão aos prazeres de Vénus, sofreriam de fenómenos estranhos e esbranquiçados em zonas improváveis do corpo. Mas certos mitos, por serem muito convenientes, continuam a reproduzir-se qual espermatozóides no seu cantinho testicular.

Artigo publicado na revista Pública a 5/10/2008

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