sábado, 3 de julho de 2010

Calores de Verão




O Verão, as altas temperaturas e os destinos tropicais encontram-se associados no nosso imaginário à licenciosidade e à devassidão. No bom sentido, claro. Existe a ideia de que à medida que o mercúrio dos termómetros sobe, também os nossos barómetros de desejo subirão de forma incontrolável, deixando-nos vítimas de desígnios superiores a nós.


Mas será que existe de facto uma relação entre temperatura e sexualidade? Terá a ciência moderna comprovado essa realidade meia inventada pela mente perversa do senso comum? Na verdade as investigações sobre esse tópico são ainda relativamente inconclusivas.


Um dos indicadores que tem sido utilizado para avaliar a relação entre calor e sexo tem sido a incidência de violações ao longo do ano. Ao contrário das relações sexuais que ocorrem provavelmente aos milhões todos os dias em todo o mundo, dessas outras infelizes ocorrências existem registros que podem ser contabilizados. A maioria das investigações indica que é por finais do Verão, concretamente em Setembro que em países do Hemisfério Norte ocorrem os picos de violência sexual. Porém, certo é também que outras formas de violência, como guerras ou actos violentos não-sexuais, têm igualmente um pico por alturas de fins de Verão. Tal pico parece coincidir com o aumento sazonal da testosterona nos homens, hormona associada com a sexualidade e com a agressividade.


Os dados relativos à incidência de infecções sexualmente transmissíveis apontam mais ou menos para o mesmo, ou seja, para que há mais pessoas a portarem-se bem mal no final do Verão ou início do Outono. Por sua vez, os estudos sobre nascimentos indicam que a maioria das concepções terão lugar no Inverno.


De acordo com todos estes dados, todos parciais e limitados, parece que afinal o Verão não é mais do que uma boa campanha de marketing ao sexo, o outdoor que levará os consumidores, poucos meses mais tarde, a um certo consumo desregrado. Certo é que no Verão os corpos se expõem, sugestivos e oferecidos. As pessoas estão mais frequentemente de férias e, logo, com mais tempo para o sexo. O mesmo se passa nos países próximos do equador, para onde se vai descansar e divertir, e em que o próprio ritmo de vida será mais propício aos prazeres da carne.


A biologia certamente que ainda ditará muito do que somos e fazemos. Porém, o Homem consegue ser suficientemente criativo para ultrapassar as suas aborrecidas limitações biológicas. Em tempos remotos os nossos antepassados terão sido condicionados nas suas fúrias reprodutivas por períodos de cio. Para alguma coisa terão servido uns bons milhares de anos de evolução. Se hoje em dia por vezes achamos que não temos tempo para o sexo, pelo menos temos a grande vantagem de o poder gozar em qualquer altura do ano.

 
Originalmente publicado na Pública de 31/08/2008

1 comentário:

  1. Realmente para mim a grande questão destas temáticas reside nisto, o que é senso comum, o que é ciência?

    Para responder a este problema exorto a um pensamento que reside no livro "A lógica da investigação científica" de Karl Pooper em que ele profere a seguinte frase:

    "...a ciência é como um grande barco pesqueiro, que com toda a maquinaria pesca o mesmo que um simples pescador..."

    isto leva-me a pensar que senso - comum e ciência andam lado a lado numa eterna linha muito ténue

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