sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Romances com um final feliz



Não existem muitas editoras que vendam 130 milhões de livros por ano. Ou que publiquem 120 títulos por mês em 107 países diferentes. Ou ainda que tenham tido os seus livros um total de 230 semanas na lista de best-sellers do New York Times. No entanto, tal editora existe, tem a sua sede em Toronto, no Canadá, e chama-se Harlequin. Essa mesmo: a dos romances cor-de-rosa que, pelos vistos, vendem muito bem!

Em 2009 a Harlequin completou 60 anos de idade. São 60 anos a enternecer corações femininos, uma vez que todos os livros que publica são concebidos, desde a capa até ao conteúdo, com o público feminino em mente. Cinco biliões de livros vendidos depois, parece que alguma coisa a editora canadiana está a fazer bem!

Mas porque compram as mulheres literatura romântica como quem compra pasta de dentes? Que necessidade é essa de escrita a apelar à lágrima no canto do olho? Parece que assim se confirmam os estereótipos que defendem que as mulheres são emotivas ao contrário dos homens que serão um poço de racionalidade. Que uns usam mais um lado do cérebro e outras mais a outra metade. Que uns são de Marte e outras de Vénus. E coisas assim por aí fora.

Queiramos ou não, as raparigas continuam a ser educadas para dar mais atenção a relações e os homens mais à estratégia. As mulheres incentivadas a exprimir as suas emoções e os homens a escondê-las. Os homens a serem uma espécie de predadores sexuais e as mulheres a dissimularem o seu desejo. Com tamanha formatação, a começar nos primórdios do berço, não haverá a Harlequin de vender ao desbarato?

Outra questão que se coloca é qual o efeito que esta exposição ao melodrama literário terá sobre as mulheres. É que já dizia La Rochefoucauld, moralista Francês do século XVII, que muitas pessoas não se teriam apaixonado se nunca tivessem ouvido falar da paixão. Pois hoje em dia, há quem defenda que muito do que hoje associamos ao amor e ao romantismo foi-nos vendido pelos media e pela literatura. Como resultado, passaremos parte da vida em busca de algo que não é mais do que o argumento de um romance cor-de-rosa medíocre.

Às custas da Harlequin muitas mulheres andarão a suspirar pelo seu príncipe encantado que chegará montado num cavalo branco, quando na verdade o sentimento arrebatador, essa paixão sem igual que esperam sentir nunca poderá chegar aos calcanhares do que qualquer heroína da Harlequin sentirá.

Mas mesmo se as relações reais não podem aspirar ao technicolor da ficção, enquanto continuar a existir capacidade de sonhar, os sonhos continuarão a vender, e bem. E, pálidos ou não, os romances da vida real continuarão a aspirar a um final feliz.

Artigo originalmente publicado na revista Pública em 28/06/2009

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