quinta-feira, 28 de abril de 2011

Ser anal



As línguas podem realmente ser muito traiçoeiras. Quando pela primeira vez nos Estados Unidos alguém me disse, casualmente num encontro social, que era muito anal, a minha reacção foi empalidecer, engolir em seco e perguntar “Excuse me?”. O contexto e as circunstâncias não eram de forma nenhuma sexuais, pelo que aquilo que soava a uma revelação íntima pareceu-me, no mínimo, desadequada.

Para os nativos da língua Inglesa, referencias à analidade desse tipo nada têm de sexual. Referem-se tão só a um tipo de personalidade, caracterizado por uma vincada necessidade de organização, pelo apego às regras estabelecidas e por um gosto pela limpeza.

Anal é quem cumpre todas as regras de trânsito e recrimina todos os que não o fazem. São aqueles cujas secretárias no trabalho estão sempre impecável e irritantemente organizadas. São os que nunca vão de férias sem ter uma relação das despesas e listas exaustivas dos locais a não perder.

É interessante olhar para as origens de tão peculiar expressão. Na conhecida teoria do desenvolvimento infantil de Freud, a segunda etapa pela qual todas as crianças passarão é a chamada fase anal. Nela, os pequenotes desenvolvem um interesse particular pelas suas funções excretoras traseiras. Divertem-se a fazer sprints com os seus bacios. Levam os pais quase à loucura ao decidirem dar vazão às suas necessidades fisiológicas nos momentos e locais mais improváveis. Entretêm-se com requintadas produções artísticas nas paredes da sala utilizando materiais frescos de produção própria.

As fases descritas por Freud têm, de facto, uma dimensão sexual. Através da maturação fisiológica, a criança vai experimentando prazer com diferentes áreas do corpo. Porém, espera-se que, no final do processo e na vida adulta, os prazeres orais e anais sejam secundados pelos proporcionados por pénis e vaginas, no chamado princípio da genitalidade. 

Não pretendo aqui discutir as limitações das ideias de Freud, abençoado seja pela pequena revolução cultural que trouxe ao Ocidente. Interessa saber que, de acordo com o mestre Vienense, aqueles que por algum motivo fiquem psicologicamente encravados, passe a expressão, na fase anal, desenvolverão consequentemente características de personalidade como as acima descritas. As anais.

Hoje em dia, apesar de elucidado sobre o que querem os anglófonos dizer quando referem que esta ou aquela pessoa é anal, ainda tenho que parar dois segundos para pensar, evitando momentos de embaraço. E cada vez mais considero que, com conta, peso e medida, a analidade até que não é coisa má. Na verdade, creio que está na altura dos Portugueses perderem a vergonha e de abraçarem a analidade. De a aceitarem como um facto natural e desejável da vida. Todos seremos muito mais felizes quando isso acontecer.

 Publicado na Revista Pública de 14/12/2008

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