sexta-feira, 8 de julho de 2011

Os missionários e os bons selvagens


Existe o mito, tão antigo quanto falso, de que foram os missionários cristãos que inventaram a posição sexual conhecida pelo seu nome. Aquela em que a mulher se encontra, passiva como uma donzela, deitada de barriga para cima, enquanto que o homem lá vai fazendo o seu trabalho vigorosamente entretido sobre ela.

Como diversos etnógrafos e historiadores tiveram a possibilidade de documentar, tal posição é mais antiga que a cristandade e encontra-se em várias culturas independentemente da influência dos missionários. Foram encontrados vasos datados de três mil anos a.C. decorados com imagens de homens “missionando” as suas parceiras.

Entre os antigos Gregos, Romanos, Peruanos e Japoneses, essa era a posição preferida por dessa forma se reforçar a superioridade moral dos homens sobre as mulheres. Os Chineses, apesar de criativos nas artes do sexo, apreciavam essa disposição dos corpos durante o ato por acreditarem que os homens nasciam de cara virada para baixo e as mulheres de cara virada para cima. Por seu lado, entre algumas tribos em Kerala, na Índia, ainda hoje se acredita que apenas nessa posição pode ser concebido um guerreiro.

Porém, verdade é também que os primeiros missionários, ao se depararem com a diversidade copulatória dos povos de África e do Pacífico, decidiram por ordem no paraíso, usando uma boa dose de retórica e inspiração divina. Afinal, se Adão veio ao mundo antes de Eva, nunca deveria a mulher estar numa posição superior ao homem, como acontecia em terras de bons selvagens.

Apesar de popular durante séculos sem fim, a posição barriga sobre barriga caiu em desgraça em tempos modernos. Vivemos numa era em que o sexo foi kamasutrizado. O contorcionismo sexual é publicitado tanto em revistas femininas como em masculinas e espera-se que a vida íntima do comum dos mortais seja tão variada como o enredo de um filme pornográfico. A posição missionária foi acusada de opressiva do prazer feminino e passou a demissionária.

Mas será assim tão má a pobre coitada? Apesar da publicidade negativa, a posição do missionário não deixa de ter as suas vantagens. É útil, por exemplo, em dias de preguiça, em particular da mulher, quando se pretende o máximo resultado com o mínimo esforço. Em casais apaixonados, permite contacto olho no olho até à náusea. E supostamente, mas muito supostamente, é uma boa posição para se conseguir engravidar, se esse for um dos propósitos do encontro.

Limitar o sexo a apenas uma posição pode transformar a vida sexual de um casal numa obrigação enfadonha. Ser um bom selvagem na cama, mais do que um direito, deverá ser um dever. Assim, a posição do missionário nada tem de mal, desde que utilizada com conta, peso e medida. E como alguém disse, ela é um pouco como o queijo fresco. Precisa que se lhe adicionem condimentos para ganhar sabor. Já descobriu o seu?


Publicado na revista Pública em 03/05/2009

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